ANÁLISE DO DISCURSO NO EIXO NORTE-NORDESTE
Resumo
Este dossiê emerge do diálogo transversal, transcultural e epistemológico da situação hifenizada das multiterritorialidades Norte-Nordeste, conectadas discursivamente nas redes de mobilidades humanas e simbólicas de línguas, literaturas e linguagens. É a partir desta constelação epistêmica, rizomática e plural que buscamos pensar-agir-debater-trançar olhares, práticas e horizontes para mapear zonas de intervenção, cooperação, fortalecimento e ampliação das perspectivas de Análise do discurso no caleidoscópio chamado Norte-Nordeste, com suas axiologias, florestas, águas, secas, litoral, rios e vidas a apontarem outras formas de reexistir, traduzir e a diversidade na diferença destes tempos tão obscuros, tensos e desafiadores.
A relação da Análise do Discurso com o Brasil se dá por meio das produções de Michel Pêcheux que aqui chegaram na década de 1980 trazidas por Eni Orlandi. Hoje, evidenciam-se algumas tendências diferentes daquelas que se ancoravam na teoria social crítica de viés marxista. Contudo, as pesquisas pautadas na perspectiva materialista do discurso têm avançado, marcando o lugar de uma prática reflexiva de autocrítica da análise do discurso, que como diz Pêcheux (2009), expressa suas “vicissitudes, guinadas e derrotas” pressionada por um movimento de intelectuais e de políticos que influenciaram essa disciplina ao tomarem os “discursos políticos” como objeto de estudo na década de 1960, na França.
De lá para cá, no tempo e no espaço, a Análise do Discurso, espalhando-se por diversas partes do mundo, sobretudo na Europa e, particularmente, na América Latina marcada especialmente pelas contribuições do Brasil e da Argentina, avançou aliando a interpretação dos discursos ao conhecimento das determinações históricas. Tal movimento se dá porque a Análise do Discurso incorpora estudos de discursos que produzem efeitos de insurgir, de revoltar-se contra a ordem estabelecida, de fazer transparecer os conflitos entre as classes, silenciados pelas estratégias discursivas do capitalismo.
Assim, como Pêcheux, entendemos a Análise do discurso é um “espaço incerto em que a língua e a história se confrontam e se enfrentam – mutuamente”. Essa assertiva nos leva a convocar os pesquisadores desse campo de conhecimento que se permitiram espraiar pelo Brasil e por outras partes do mundo, acumularam experiência, fizeram alianças intelectuais nos mais diversos espaços de produção; concordaram, descordaram e produziram novos saberes, chegando ao Norte e ao Nordeste brasileiros para verificar como “a língua e a história se confrontam e se enfrentam” nessas regiões.
Pensando como Baldini e Zoppi-Fontana (2013), ao trataram sobre a Análise do Discurso no Brasil, acreditamos que a variedade de temas advinda da diversidade de objetos de pesquisa apreendidos na realidade social do Norte e do Nordeste podem contribuir para mostrar a força da Análise do Discurso e sua apropriação para o conhecimento dos processos históricos que constituem sentidos da vida em sociedade. O autor e a autora entendem que é condição necessária dessa abordagem aliar rigor analítico “ao vigor de uma tomada de posição explícita pela transformação política da sociedade” (BALDINI; ZOPPI-FONTANA, 2013).
Dentro desta profusão de perspectivas, deslocamos nosso olhar para também acolher trabalhos que abordem o enfoque do pensador francês Michel Foucault (1982), para pensarmos a teoria do discurso, a história, o poder, as subjetividades, as linguagens, os arquivos, as memórias do/no eixo Norte-Nordeste. Abrir espaço para discutir as dimensões arqueológica e genealógica dessas duas regiões é, acima de tudo, ensaiar gestos de interlocução para rastrear as materialidades transgressivas, constituindo, assim, uma prática epistemológica sensível às fricções das orientações teórico-metodológicas. Deste modo, esperamos tecer um caleidoscópico discursivo que tensiona, descoloniza e questiona o próprio saber que se faz na encruzilhada dos imaginários.
Não por acaso, a atual condição pestífera, nociva, da sociedade contemporânea atinge os campos, as florestas e as cidades, executando intensa violência, objetiva e subjetiva, aos povos subsumidos ao movimento predatório e a necropolítica. É esse o mundo que temos hoje: um lugar de expropriação de direitos, de ações negativistas e cerceadoras de liberdades política, cultural, econômica e social.
Diante e para além deste problema, apresentamos os resultados dos investimentos em pesquisa de pesquisadores e pesquisadoras, de diferentes espaços geográficos, com estudos nesse espaço de debate, que toma os fundamentos da Análise do Discurso ancorada teórica e metodologicamente numa perspectiva discursiva que possibilita a crítica à essa realidade, desvelando as suas contradições. Desse modo, esperamos potencializar a interação entre línguas, literaturas e discursos, a partir de perspectivas teóricas e analíticas que sustentem olhares discursivos críticos acerca de estruturas e movimentos que reivindicam direitos humanos, sociais e políticos no caleidoscópio discursivo Norte-Nordeste.
Nesse sentido, iniciamos esta edição com o artigo “Do meme ao mito: a novilíngua neofacista em análise” de autoria de Almeida & Amaral (2022), bem como com os manuscritos desta e das demais seções. Convidamos leitores(as), pesquisadores(as) e demais interessados(as(es) nos temas aqui reunidos para o apreço, ao texto aludido, e à expectativa em relação aos demais trabalhos que estarão dispostos ao longo dos meses de maio e junho de 2023.
Excelente leitura!
Referências
BALDINI, José Siqueira and ZOPPI-FONTANA, Graciela: A Análise Do Discurso No Brasil. In Published by OxyScholar, 2013.
PÊCHEUX, Michel. “O estranho espelho da Análise do Discurso: Prefácio”. Em Análise do discurso político: O discurso comunista endereçado aos cristãos, de Jean-Jacques Courtine, 16-21. São Paulo: EdUFSCar. 2009.
Agradecimentos
Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)/Brasil.