Herança, hereditariedade e casamento entre primos no cariri paraibano
análise antropológica de adoecimentos por mucopolissacaridoses
Palavras-chave:
Herança genética, Mucopolissacaridose, Biomedicina, Expedições Etnográficas.Resumo
Na genética muito se fala a respeito de “Efeito fundador”, como o surgimento de elevado número de casos de uma doença em determinada região, cidade, localidade. A este respeito, o Cariri Paraibano tem se revelado como uma região que registra casos de Mucopolissacaridoses (MPS), desde 2005, porém existem casos relatados pelos interlocutores de muito tempo antes do registrado, atribuídos ao casamento entre primos pelo discurso da biomedicina. Trata-se de uma doença de origem genética, recebida dos pais e com baixa incidência em diferentes países, assim considerada doença rara. Instigados por esse discurso, passamos a questionar quais eram as percepções das famílias com pessoas com MPS acerca da noção de herança ou hereditariedade da doença e o entendimento das relações de parentesco nos casos identificados pela genética. O trabalho de campo foi realizado em duas expedições (duas etapas), assim chamado porque se caracterizou por uma imersão nas cidades do Cariri Paraibano, quando percorremos 11 municípios e entrevistamos 16 famílias. Nesses dois momentos, realizamos entrevistas etnográficas e, sendo a segunda expedição o momento em que completei as genealogias de algumas famílias que participaram da primeira expedição, o que me possibilitou encontrar com novos casos da doença indicados pelas famílias já entrevistadas. Com as expedições realizadas, foi analisada que a herança das Mucopolissacaridoses para as famílias é algo que está diretamente ligada a história de vida delas, e que pode ser percebida no discurso a partir das relações que “está no sangue” que mediam de certa forma a noção de quem é família a partir dos indivíduos que possuem uma proximidade sanguínea. A herança também é acionada a partir do parentesco quando apontado a partir do heredograma, pelo geneticista, a relação entre membros da mesma família, porém essa noção é guiada a partir do entendimento dos interlocutores visando quem é primo ou não, ou de quem é primo “distante” e “próximo”. A localidade tem seu papel na representação da herança quando parte dos interlocutores descende dos mesmos lugares, sítios, possuindo assim a mesma origem. Esses sítios hoje formaram cidades baseadas nessas poucas famílias, permitindo assim a relação entre pessoas do seu cotidiano. Por fim uma interlocutora chama atenção para construção do risco genético, e como essa herança também pode ser percebida como o risco de transmissão para futuras gerações, elemento esse não percebido por grande parte do grupo. Então a herança das Mucopolissacaridoses é constituída de diferentes perspectivas baseadas no que foi vivido pelas famílias, podendo também ser entendido como uma herança a partir da experiência local e a hereditariedade a partir de uma perspectiva biológica que ainda está por vir nas gerações futuras.
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