Imagens sensíveis, Brumadinho 2019
Resumo
Em 25 de janeiro de 2019 uma barragem de rejeitos da Vale S/A rompeu-se. Como foi amplamente divulgado na mídia, a lama arrastou tudo o que estava abaixo da Mina do Córrego do Feijão, em Brumadinho. Segundo os dados atuais são 259 mortos, 11 desaparecidos e 2 crianças que tiveram as vidas interrompidas ainda no ventre. Danos ambientais e sociais incalculáveis. Milhares de pessoas que tiveram suas casas, suas vidas e seus sonhos soterrados. Comunidades inteiras que tiveram de deixar suas terras e suas histórias. Muito do que aconteceu ainda está por ser esclarecido. E, da mesma forma, os responsáveis seguem impunes. Algo que em si não é novo no Brasil e que apenas atualiza os dramas já experimentados em Mariana, em 2015, e em outros rompimentos de menor repercussão. Crimes que se repetem sem reparação e que, sob o rótulo da tragédia, continuam aliando Estado e iniciativa privada, na tentativa de minimizar os danos e normalizar a negligência das mineradoras e as violações de direitos das pessoas pelo capital.
O ensaio que se segue é um registro dos dias posteriores ao rompimento. Trata-se, na verdade, de uma seleção das fotografias com as quais busquei narrar mais um desastre da mineração – o maior deles em nosso país, e um dos maiores do mundo. O foco não foram os resultados apenas. Na medida do possível, o que busquei com as imagens foi mostrar a destruição e as respostas a ela, sem esconder ou escamotear as ações e negligências da empresa, que não raro se esconde atrás de outros sujeitos e instituições, como forma, inclusive, de se eximir de suas responsabilidades.
O cenário, porém, não deixa de ser chocante e revoltante. Quando cheguei a Brumadinho, sabia das dificuldades que me seriam impostas; sabia inclusive que se tratava de um cenário de crime com um número de vítimas muito superior ao rompimento da barragem da Samarco (em Mariana) e do quanto tudo isso infundia em todos uma sensação de desânimo e impotência. Nas imagens do primeiro dia ainda captei funcionários da Vale uniformizados, identificados. Mas já no segundo dia as diferenças entre eles e os todos os outros que chegavam não estavam tão claras. Todos circulavam apenas com crachá de voluntários em meio a uma crescente presença de bombeiros, policiais e agentes de defesa civil.
Somente 20 dias após o rompimento consegui acompanhar o corpo de bombeiros até a mina e fiz, então, as fotografias da sala de segurança que integrava um conjunto de salas da administração, próxima à barragem, mas em uma área alta, que por isso não foi arrastada pela lama. Ainda assim, tudo era muito desolador, já que de dentro se podia ter também uma dimensão da devastação, inclusive uma área de Mata Atlântica preservada pela própria empresa como contrapartida ambiental e que havia sido tomada pelos rejeitos. Também pude ver as estruturas enormes e pesadas da mineração, agora complemente destruídas, transformadas em ferro retorcido.
Por outro lado, pude acompanhar de perto o que se passava nas comunidades no entorno. Um cotidiano completamente alterado pela violência com que tudo se passava. Não apenas porque a maioria havia perdido suas formas de vida, mas porque agora eram obrigados a conviver com um grande fluxo de pessoas, com helicópteros que arrancavam os telhados das casas que haviam sobrado para buscar ou deixar os corpos das vítimas encontradas, em um clima que corroía a autoestima, os interesses, os sonhos.
Busquei oferecer com as imagens uma outra narrativa, alternativa àquela que glorifica como heróis os bombeiros e voluntários, sem que se fale da atuação da mineração em Minas Gerais e do rastro de destruição e morte que ela tem deixado em todos os estágios da sua produção. Mesmo hoje, em meio à Pandemia com todas as recomendações de isolamento social, a Vale mantém 55 mil trabalhadores em todo o Brasil na ativa. Já foram registradas mortes de funcionários que contraíram o novo coronavírus no Pará e agora em várias cidades de Minas Gerais. Esses números não estão sendo registrados, mas sim omitidos pela empresa que segue atividade normalmente. Algo pactuado com o Estado, que reconheceu a mineração como atividade essencial! Nesse sentido, o ensaio também representa uma forma de denúncia e um clamor por memória, por justiça, para que não se esqueça.