SOCIOJURÍDICO EM DEBATE
tecituras entre a fetichização do Direito e o desvelamento do real
Resumo
A área sociojurídica compreende a interação de múltiplos espaços socio-ocupacionais, a saber: Tribunais de Justiça, Ministério Público, Sistema Prisional, Defensorias Públicas, instituições de cumprimento de medida socioeducativa, instituições de acolhimento, dentre outros.
Tratam-se de espaços em que diferentes sujeitos da classe trabalhadora, em seu cotidiano profissional, atuam e produzem conhecimento na interface com o Direito, tais como o Serviço Social, a Psicologia, a Sociologia, a Pedagogia e demais áreas.
O cotidiano – esse lócus insuprimível de nossas vidas – suga-nos com preocupações do dia a dia, tais como trabalho, tempo, renda, família, estudos, amigos, violência urbana, dentre tantos outros aspectos que dão sustentação à reprodução da vida.
Vale lembrar aqui que a reprodução da vida demanda análises, as quais somente são possíveis por meio da suspensão do cotidiano. Nesse sentido, torna-se imperativa a reflexão acerca dos últimos anos em que esta nação esteve sob os mandos e desmandos de um governo fascista e as repercussões deste, e também sob a vivência da pandemia de COVID-19, de modo a, sobretudo, decifrar os rebatimentos no tempo presente no âmbito do Sistema de Justiça.
Nesta edição temática intitulada “Sociojurídico em Debate: tecituras entre a fetichização do Direito e o desvelamento do real”, propomos um convite, qual seja: provocá-los(as) a suspender o cotidiano para fazer o exercício fecundo de refletir e sistematizar acerca das experiências profissionais, da apresentação de pesquisas, análises, relatos de experiências e estudos de casos, a fim de capturar o movimento do real por meio das mediações.
O Direito apresenta um importante aspecto socializante na contemporaneidade, de maneira a tornar premente problematizações quanto à ideia da “igualdade” – formal/abstrata – ou da concepção do “sujeito de direitos”, quando, em verdade, no cotidiano das instituições do Sistema de Justiça, são desveladas facetas da realidade concreta em que o direito, os direitos, chegam de forma muito desigual a homens, mulheres, crianças, idosos, negros(as), indígenas, população LGBTQIAP+, que buscam a efetivação de suas prerrogativas constitucionalmente reconhecidas, que os tornam sujeitos pelo direito, ou, sob os termos de Marx (2012), um direito da desigualdade.
Para os profissionais que intervêm nesta interface com o Direito, as requisições postas encontram-se nos limites da própria razão de ser do Direito, enquanto complexo subordinado à esfera da economia. Em seu aspecto fetichizante, coloca-se como universal, homogeneizador, luta para regular o maior número possível de atividades do ser social, contudo, não ultrapassa a factualidade, portanto, não desvela a essência dos conflitos sociais. Neste sentido, move-se por polos contraditórios, alardeando a imparcialidade e a igualdade (formal e abstrata), persuade cumprindo sua função ideológica e, se necessário, usa da violência por meio do poder da força do Estado. Ao fim e ao cabo, cumpre sua função de ocultar as raízes, as desigualdades próprias da sociedade capitalista, ao atuar no sentido de realizar a manutenção do status quo, ao encobrir as determinações sociais e históricas dos conflitos sociais (LUKÁCS, 2013).
Assim, o escopo do presente dossiê é contribuir com o incremento permanente das sistematizações dessa área, com o fito de ultrapassar a factualidade das demandas e a fetichização do Direito. Além disso, busca favorecer o debate sobre as complexidades e possibilidades da atuação interdisciplinar no Sistema de Justiça, com ênfase na “polaridade entre a proteção de direitos e a responsabilização civil ou criminal” (BORGIANNI, 2012, p. 167).
Atuação esta que deve ser situada no chão das instituições que compõem o Sistema de Justiça, bem como na dureza do cotidiano profissional, no qual as intervenções são particularizadas, por profissionais, que podem dispor/dispõem de uma ética contrária e, não raro, inconciliável com os ditames da ordem. Ou seja, trata-se de uma especificidade do saber que se opõe ao viés controlador e fiscalizatório da vida das famílias/pessoas, que detém o poder de expressar, por meio de intervenções, informações, relatórios, laudos e pareceres, que a vida das famílias/pessoas está indelevelmente atravessada pelas determinações sociais e históricas.
Neste sentido, desvelar tais determinações afirma saberes e práticas profissionais frente às requisições de intervenção que são de caráter conservador, patrimonialista, moralista, fiscalizatório e de ajustamento de comportamentos da população que recorre ao sociojurídico. Logo, a promoção da suspensão do cotidiano com a produção de conhecimento visa também ultrapassar a subordinação, um traço que pode marcar a atuação de profissionais que não são operadores do Direito no âmbito sociojurídico.
Portanto, ratificamos no presente Dossiê da Revista Eletrônica Mutações (Relem) o convite para estimular reflexões e mediações sobre a interlocução com o Direito a partir do cotidiano deste diálogo. E, assim, com isso, movimentar as cadeias causais e os nexos constitutivos das profissões na proposição crítica e criativa de motivar análises da perspectiva da totalidade, subverter o conhecido, transcender o rotineiro e, quem sabe, trazer a conhecimento intervenções e análises que inspirem insurgências, levantes e alternativas ao já instituído.
Como ainda estamos em processo de revisão, e editoração, dos manuscritos submetidos para esta edição temática, convidamos nossos leitores(as) para apreciarem o artigo “O que não se confessa? sexualidade no sistema socioeducativo” de autoria de Alves & Lima (2023), bem como com os manuscritos da seção ARTIGOS/MANUSCRITOS - TEMA LIVRE e das demais seções, com a expectativa em relação aos trabalhos que estarão dispostos ao longo dos meses de fevereiro e junho de 2024.
Excelente leitura!
Referências
BORGIANNI, Elisabete. Identidade e autonomia do trabalho do/a assistente social no campo sociojurídico. In: CONSELHO FEDERAL DE SERVIÇO SOCIAL. II Seminário Nacional: o serviço social no campo sociojurídico na perspectiva da concretização de direitos. Brasília: CFESS, 2012. p. 164-176. Disponível em: www.cfess.org.br/arquivos/SEM_SS_SOCIOJURIDICO-CFESS.pdf. Acesso em: 30 mai. 2023.
LUKÁCS, György. Para uma ontologia do ser social II. São Paulo: Boitempo, 2013.
MARX, Karl. Crítica do programa de Gotha. Tradução Rubens Enderle. São Paulo: Boitempo, 2012. (Coleção Marx & Engels).
ASSESSORAS TÉCNICAS
Edição v. 16, n. 27 (2023): DOSSIÊ: “SOCIOJURÍDICO EM DEBATE: tecituras entre a fetichização do Direito e o desvelamento do real”
Amanda Oliveira Paniagua
E-mail: amandaoliveirapaniagua@gmail.com
Ana Carolina Romero
E-mail: ac.romerobs@outlook.com
Camila Rodrigues Santos
E-mail: milarodrigues1996@yahoo.com
Camila Valim D'Ávila
E-mail: camila.valim475@gmail.com
Jéssica Silva dos Santos Pereira
E-mail: jessica.silvadsp@hotmail.com
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