2025-01-22

O encarceramento em massa (ALMEIDA,2019) é um fenômeno debatido por diversos setores da sociedade civil, evidenciando os efeitos da política punitivista e ações violentas por parte do Estado. Longe de representar um consenso, isso demonstra a complexidade do debate. Em estudos clássicos sobre a prisão, demonstra-se uma noção da prisão, como um espaço de depósito de pessoas (WACQUANT, 1999). No entanto, a experiência brasileira mostra que a prisão gera, ao contrário de um isolamento, um fluxo de pessoas dentro e fora, incentivando a
mobilização destas em torno das demandas recorrentes no cárcere (GODOI, 2017).

O encarceramento em massa amplifica essa relação entre a prisão e a sociedade, marcando profundamente a vida das pessoas periféricas, em especial mulheres racializadas, negras, pretas, pardas e indígenas, esse dossiê pretende se concentrar em dois grupos de mulheres atingidas pelo cárcere, tanto as que foram presas, quanto as que tiveram familiares encarcerados. Lago (2019) evidencia que a prisão de um familiar não resulta apenas na ausência desse familiar, mas na presença da instituição prisional no cotidiano dessas mulheres, reconfigurando vínculos e trajetórias para além dos muros institucionais.
Em seu trabalho, ela utiliza as categorias "dentro" e "fora" da prisão para abordar a diferença entre estar privado de liberdade (dentro) e estar na condição de familiar ou visitante (fora) de uma pessoa presa. Ao questionar marcadores sociais da diferença, percebemos que a prisão é racializada. Apesar de alguns consensos acadêmicos em torno do tema, como "racismo estrutural" (ALMEIDA, 2019) e encarceramento em massa (BORGES,2019), pouco se compreende sobre como o marcador de gênero é acionado dentro dessa dinâmica e em relação com os marcadores étnico-raciais.
Mesmo que diversos estudos sobre o efeito de redução do crime na sociedade apontem para a obsolescência prisional (DAVIS, 2018), o Brasil segue um caminho de aprisionamento, sendo atualmente o terceiro país com mais pessoas privadas de liberdade do mundo. Em números absolutos, o número de mulheres encarceradas
aumentou 567% em quinze anos (2000 e 2014), saltando de 5.601 para 37.380 (INFOPEN, 2014), destas 68% são mulheres negras, o Brasil ainda lida com estatísticas enquanto essa relação racial mais alarmantes, como o caso do Acre, que mantém, à época da divulgação destes dados, um percentual de 100% de detentas sendo mulheres negras.
A proposta deste dossiê é receber artigos que abordem as experiências de pessoas privadas de liberdade e de seus familiares, desde a teoria feminista negra da interseccionalidade, estudos de gênero, marcadores sociais da difrença, e relações raciais, buscando compreender as agências possíveis encontradas por essas pessoas diante da experiência da prisão na Amazônia e no Nordeste e que até o ensejo destas propostas possam pensar sobre as metodologias e o trabalho de campo (GROSSI, 1992) em contextos de relação ou proximidade com a prisão.