Chamada para Publicação Vol. 13, Nº 25 (Dossiê Especial): Questões de Raça, Gênero e Classe nas Literaturas Anglófonas
DOSSIÊ: QUESTÕES DE RAÇA, GÊNERO E CLASSE NAS LITERATURAS ANGLÓFONAS
Submissão: fluxo contínuo
Fechamento do número: 28 de fevereiro 2025
Prazo para envio ao Dossiê: 15 de janeiro de 2025
Obs.: Informar no ato de submissão, em "Comentário para o editor", que o artigo é para "Dossiê Especial: Questões de Raça, Gênero e Classe nas Literaturas Anglófonas".
Organização:
Profa. Dra. Christiane Fontinha de Alcantara (Arizona State University)
Prof. Dr. Felipe Fanuel Xavier Rodrigues (Universidade do Estado do Rio de Janeiro)
Profa. Dra. Martha Julia Martins (Universidade Federal de Roraima)
Breve biografia:
Christiane Fontinha de Alcantara é professora na Arizona State University nos Estados Unidos. É doutora em Literatura Comparada pela Purdue University e mestra pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Possui Bacharelado e Licenciatura em Letras/ Inglês - Literaturas de Língua Inglesa pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Sua pesquisa se enfoca em questões de beleza e identidade feminina, com enfoque nas literaturas estadunidense, brasileira e caribenha. A Dra. Alcantara possui experiência editorial servindo como avaliadora de artigos, bem como tradutora, revisora e editora de manuscritos.
Felipe Fanuel Xavier Rodrigues é professor adjunto de Língua Inglesa no Instituto de Letras da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e professor permanente no PPGL/UERJ. Realizou Pós-Doutorado em Letras na mesma instituição (FAPERJ Nota 10). Doutor em Letras pela UERJ com Estágio no Dartmouth College (CAPES/Fulbright). Bacharel e Licenciado em Inglês e Literaturas de Língua Inglesa pela UERJ. Membro do Comitê Executivo do Fórum Luso-Brasileiro da Modern Language Association (MLA). Procientista UERJ/FAPERJ.
Martha Júlia Martins é professora adjunta de Língua e Literatura Inglesa no Curso de Letras da Universidade Federal de Roraima e professora permanente da PPGL / UFRR. É doutora em Estudos Linguísticos e Literários pela Universidade Federal de Santa Catarina e mestra pelo mesmo programa. Possui graduação em Letras / Português - Inglês pela UEMA. Tem experiência na área de Letras, atuando especialmente nas questões de gênero e feminismo decolonial, com enfoque na literatura inglesa e nos estudos discursivos. É coordenadora-líder do grupo de pesquisa do CNPq, o GREG – Grupo de Estudos de Gênero.
DESCRIÇÃO E ENQUADRAMENTO DO TEMA:
As pesquisas contemporâneas interessadas nas literaturas de língua inglesa estão marcadas pela ascensão de novas perspectivas teóricas que fundamentam os estudos literários, proporcionando formas inovadoras de (re)pensar os textos em suas interrelações com seus contextos, lidos como múltiplos e diversos. Como detectou Gayatri Spivak em sua obra seminal Death of a Discipline, a pesquisa literária comparativa “tem procurado se renovar” sobretudo “em resposta à crescente onda de multiculturalismo e estudos culturais” (2003, 1). Dessas transformações teórico-críticas eclodem princípios e conceitos que apontam variadas estratégias e metodologias para o escrutínio da literatura na contemporaneidade, tal como revelam os estudos culturais, decoloniais, desconstrutivistas, étnicos, feministas, de gênero e sexualidade, marxistas, pós-coloniais, pós-modernos, entre outras tendências.
Os processos de descolonização e o fim da era europeia (1492-1945) contribuíram para a eclosão das agências históricas dos sujeitos que durante mais de quatro séculos, foram sistematicamente oprimidos, degradados, explorados e marginalizados pelos sistemas de poder identificados como brancos e masculinos. Para Edward Said, a epistemologia desse imperialismo do homem branco possui em seu cerne “a tese absolutamente rígida de que todos são, principal e irrefutavelmente, membros de alguma raça ou categoria” (Said, 1998, 160). As raízes desse conceito de raça remontam ao Iluminismo, cuja ontologia de subpessoas e desrespeito racial estabeleceram as estruturas intelectuais e culturais para a criação de um sistema escravocrata que transformou “a história do mundo” em “uma história da supremacia branca” (Mills, 1998, 75). A leitura dessa história obscura da chamada Era das Luzes está disponível nos dezesseis ensaios setecentistas, escritos em francês e latim, que na tentativa de lançar luz sobre a origem da pessoa negra, deram à luz o racismo antinegro ocidental (Gates, Jr. e Curran, 2022).
Considerando que “a cultura e suas formas estéticas derivam da experiência histórica” (Said, 2011, 24), os estudos contemporâneos das literaturas de língua inglesa estão munidos de uma ampla gama de paradigmas críticos que desvelam a ética da estética, o contexto do texto e a política da crítica. Em prefácio à obra de Frantz Fanon Os Condenados da Terra, Jean-Paul Sartre admitiu o que poucos intelectuais brancos seriam capazes de afirmar: “Nossas belas almas são racistas” (Fanon, 2006, 38). A persistente ausência dessa autocrítica do homem branco não apenas adia um movimento de reparação histórica — trata-se de um “litígio”, lembra Achille Mbembe (2017, 63) — como também corrompe os ideais democráticos professados, limitando o potencial da própria democracia com a manutenção de hierarquias raciais (West, 2004). As vozes teóricas que contribuíram para o avanço de críticas anti-essencialistas na pesquisa literária incluem pensadores de localidades e lugares de fala não hegemônicos que impactam diretamente as reflexões sobre literaturas anglófonas, entre os quais encontram-se Homi Bhabha, Judith Butler, Frantz Fanon, bell hooks, Henry Louis Gates, Jr., Gayatri Spivak, Stuart Hall, Edward Said, Eleanor Traylor e Edouard Glissant.
Os estudos das inúmeras interrelações de gênero, raça e classe ultrapassam as fronteiras disciplinares e acolhem contribuições variadas para um exame minucioso da literatura sob lentes anti-essencialistas, com o foco ajustado para as questões étnicas, sexuais, econômicas e raciais. As articulações críticas derivam, portanto, de análises das subjetividades plurivalentes em suas condições históricas entrecruzadas, implicando as formas como se manifestam nas obras literárias. A favor do emprego da literatura como arquivo das vivências negras testemunha, por exemplo, a presença de escritoras como Audre Lorde, June Jordan e Alice Walker entre as autoras que compõem a pioneira antologia do pensamento feminista negro Home Girls, organizada por Barbara Smith (2023).
As interrelações de raça, gênero e classe constituem um verdadeiro espaço catalisador de novos discursos teóricos. Kimberlé Crenshaw, ao cunhar o termo “interseccionalidade” no artigo de 1989 intitulado “Demarginalizing the Intersection of Race and Sex”, se posicionou na vanguarda dos estudos críticos de raça, apontando as interrelações entre as variadas formas discriminatórias que afetam as mulheres negras.
A consolidação da interseccionalidade como categoria teórica se observa na publicação da obra Interseccionalidade de Patricia Hill Collins e Sirma Bilge (2021), que teorizam sobre o caráter dinâmico, complexo e heterogêneo de um conceito que surge como ferramenta analítica e práxis crítica. Entretanto, em sua crítica mordaz a Crenshaw na obra The Man-Not, Tommy Curry demonstra que a masculinidade negra não pode ser compreendida pela perspectiva interseccional, que considera os homens negros como privilegiados por serem biologicamente denominados pelo rótulo masculino, porém as formas de opressão que eles sofrem são interpretadas como resultado do racismo. Curry repensa a masculinidade negra a partir da teorização não de gender e, sim, de genre, descrito como “homem-não” (Man-Not) a contrapelo do homem branco (Curry, 2017, 9).
No tratamento da temática Raça, Gênero e Classe nas Literaturas Anglófonas, esta proposta entra nos debates em curso das críticas anti-essencialistas e antirracistas para cartografar as variadas interrelações identitárias expressas nas literaturas escritas em inglês. Para entender a complexidade das negociações de identidades na contemporaneidade, o projeto se volta para os conflitos inter, intra e transculturais e para a busca por justiça social tal como retratados nos textos literários.
A análise entrecruzada desses três eixos identitários possibilita a descentralização do pensamento teórico-crítico por meio de comparações entre as experiências de grupos diversos, além do estudo das inter e intra-relações entre esses grupos, que abrangem experiências de vida distintas. Dessa forma, a proposta investiga as estruturas sociais e os sistemas de poder subjacentes às narrativas individuais e coletivas, que cerceiam subjetividades. Com este foco, visamos, portanto, explorar as implicações críticas das literaturas de língua inglesa que contribuem para rever as dimensões da humanidade expressas nas obras literárias que, conforme alertou Said, “não são só textos” (Said, 1998, 165).
Referências
COLLINS, Patricia H.; BILGE, Sirma. Interseccionalidade. Trad. Rane Souza. São Paulo: Boitempo, 2021.
CURRY, Tommy J. The Man-Not: Race, Class, Genre, and the Dilemmas of Black Manhood. Philadelphia: Temple University Press, 2017.
GATES, Jr.; CURRAN, Andrew S (eds). Who’s Black and Why?: A Hidden Chapter from the Eighteenth-Century Invention of Race. Cambridge, MA: Harvard University Press, 2022.
MBEMBE, A. Crítica da Razão Negra. Trad. Marta Lança. Lisboa: Antígona, 2017. MILLS, Charles W. Blackness Visible: Essays on Philosophy and Race. Ithaca: Cornell University Press, 1998.
SAID, Edward W. Cultura e Imperialismo. Trad. Denise Bottmann. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.
SAID, Edward W. The Politics of Knowledge. In: DAVIS, Robert C.; SHLEIFER, Ronald (eds.). Contemporary Literary Criticism: Literary and Cultural Studies. 4a ed. New York: Longman, 157-165.
SMITH, Barbara (ed.). Home Girls: A Black Feminist Anthology. Edição de 40º aniversário. New Brunswick: Rutgers University Press, 2023.
SPIVAK, Gayatri C. Death of a Discipline. New York: Columbia University Press, 2003.