A MULHER NA SOCIEDADE PORTUGUESA DURANTE O SALAZARISMO E SEU REFLEXO NOS POEMAS DO LIVRO MINHA SENHORA DE MIM DE MARIA TERESA HORTA
Resumo
O seguinte artigo propõe-se a analisar os poemas do livro Minha Senhora de Mim de Maria Teresa Horta, lançado em 1971, observando o modo como reflete a ditadura ocorrida em Portugal durante quarenta e um anos. Dá-se especial atenção ao modo como a autora trata em seus poemas da mulher, do corpo e das relações sexuais, instaurando um comportamento adverso ao pregado pelo regime, que visava à adoção de certas condutas que garantiriam a ordem no Estado.
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Referências
Porque acho que as mulheres têm direito aos sonhos, têm direito a serem felizes. Durante séculos e séculos houve mulheres que lutaram pelos sonhos, muitas delas tinham que se disfarçar de homens para concretizar seus sonhos. (In OLIVEIRA, 2000, p. 17).
Apenas o papel de mãe, através da gestação e de ter suas crianças, a mulher consegue se inserir novamente nessa sociedade masculina. A mulher está livre (?) das relações e realizações sexuais; não faz parte delas, porque sua única função é ser a mãe – livre de prazeres. Ela é o útero que satisfaz as necessidades masculinas de existência, de linguagem, e através do seu útero os homens lhe conferem a “feminilidade”. Ela é o receptáculo, o cálice, reservatório que garante a continuação masculina – um espaço do homem, enfim. (SOUZA; PEREIRA, 2014, p. 265).
É através de si mesma, do conhecimento do seu próprio corpo, do autoerotismo e do seu preciso – e precioso – ser que a mulher deve elaborar sua escrita, para que dessa forma ela seja inserida na história por meio do que é e não da forma em que é representada pelos homens. A escrita feminina, como escrita do corpo, torna-se uma ferramenta de empoderamento. (SOUZA; PEREIRA, 2014, p.265).
Na produção poética da autora portuguesa, observamos a ressignificação do ser mulher, como sujeito de seu corpo e seus desejos, perquiridos numa busca de si no seio da poesia. Sua escrita feminina, construída não como negativa do masculino – e sim como afirmação de mulher –, enseja uma série de reflexões teóricas (...). (SOUZA; PEREIRA, 2014, p. 276).
“O discurso não é simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de dominação, mas aquilo por que, pelo que se luta, o poder do qual queremos nos apoderar.” (FOUCAULT, 1999, p. 10).
Minha Senhora de Mim
Comigo me desavim
minha senhora
de mim
sem ser dor ou ser cansaço
nem o corpo que disfarço
Comigo me desavim
minha senhora
de mim
nunca dizendo comigo
o amigo nos meus braços
Comigo me desavim
minha senhora
de mim
recusando o que é desfeito
no interior do meu peito
(HORTA, 1974, p.13)
Interna e externa, a de uma e de todas as mulheres, divididas entre o ser e o parecer pelas imposições da existência divida. O poema “Minha Senhora de Mim” coloca as dissensões à mostra: as internas e pessoais que se exteriorizam e as exteriores e sociais que se internalizam [...] (BRIDI, 2009, p. 41).
Poeta do seu tempo, cidadã que compreende a literatura como um lugar de luta e participação, constrói sua poética, muitas vezes, como voz lírica que se opõe ao estado de coisas que promovem o silêncio e movimentam a máquina da morte física e mental. (ALVES, 2015, p.207).
Violência
Ó secreta violência
dos meus sentidos domados
em mim parto
e em mim esqueço
senhora de meu
silêncio
com tantos quartos fechados
Anoitece e desguarneço
despeço aquilo que
faço
Ó semelhança firmeza
mulher doente de afagos
(HORTA, 1974, p.29)
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