CRÔNICA: O BILHETE.

Autores

  • Zina Grangeiro Pinheiro Bibliotecária (UFAM) Licenciada em Letras (UFAM).

Resumo

O BILHETE

Sentado na praça sem ter nenhum propósito aparente, mas quem os teria?

Segunda-feira, muitos seguem apressados para o metrô, pessoas com o viço da rotina, as expectativas do novo, em velhos traços de uma tela que se repete a cada novo dia.

São de Cronus, servos silentes.

Como pincéis em movimentos retilíneos, tingindo um simulacro nas entranhas dos espaços, são cores, são peles, são rostos na aquarela.

Quando o Senhor restaurou a sorte desses de Sião, ficaram como quem sonha. Vejo então a sua boca se encher de riso, a língua de júbilo.

Eu dizia: Grandes coisas o Senhor tem feito por eles, semearam com lágrimas, porquanto, agora ceifam na alegria da mais-valia.

Eu os observo, porque não tenho o que pensar a respeito de quem sou, tento me encontrar em algum rosto. Qual vida se parece com a minha?

Miserável homem que sou, quem me livrará do corpo desta morte?

O valor das coisas nos projeta para fora da impotência ou nos empurra para um abismo. Num momento possuímos, em outros somos destituídos de qualquer poder, e onde está o lugar do ser?

De repente, o lugar do meu ser se projeta no rosto do meu filho, a vida dele se parece com a minha. Seu sorriso, ativa as minhas lembranças de infância.

O vapor subia exalando o cheiro do feijão, minha irmã sempre fazia o meu prato primeiro, eu era o caçula da família de seis, todos briguentos. Meu irmão mais velho tinha uma marca com aparência de disco voador na sua barriga, todos riamos disso.

Um dia, brigando com minha irmã sobre o feijão, teimava que já estava pronto. Tanto fez que ela tirou a panela de pressão do fogo e lhe ferrou o ventre.

As marcas da infância, os cheiros, são a resposta do ser. Mesmo que eu não tenha o melhor para dar, eu quero ser o melhor lugar para o meu filho.

Os devaneios me levaram tão longe que não percebi um papel sobre o banco.

Dobrado, um papel de loteria com vinte reais. Os números estavam minuciosamente escolhidos, quem por trás desse bilhete planejou um dia ganhar o prêmio máximo, ali havia um sonho escrito, mas foi interrompido por uma distração. Para mim esses 20 reais potencializam um pequeno sonho; prover o sustento da minha família, levar comida para minha esposa e filho.

Pagando quatro e cinquenta na lotérica, restariam quinze e cinquenta. Um almoço sai por 20 reais. A expectativa de ganhar o prêmio me daria um dia de neurotransmissores de felicidade gratuitamente, mas como ampliar essa sensação, já que não há garantias de o bilhete ser premiado.

A lágrima sorrateira salgou o beijo, e o abraço do filho o fez esquecer de tudo.

Pai você trouxe comida, tem coxinha de frango?

Zina Pinheiro 23/05/2022.

 

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Biografia do Autor

Zina Grangeiro Pinheiro, Bibliotecária (UFAM) Licenciada em Letras (UFAM).

Bibliotecária (UFAM) Licenciada em Letras (UFAM) e Pedagogia (UniFatecie) Pós-graduada em Gerontologia (UEA) e Educação Inclusiva (UniFatecie).

Fonte: Zina Grangeiro Pinheiro (2024).

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Publicado

2024-10-28