EFEITOS DE UM PROGRAMA DE
RECONHECIMENTO DO ALFABETO EM UM ESCOLAR COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL
EFFECTS OF AN ALPHABET RECOGNITION
PROGRAM IN A SCHOOL WITH INTELLECTUAL DISABILITY
Samuel VINENTE[1] | Márcia
Duarte GALVANI[2]
RESUMO: O estudo objetivou avaliar o desenvolvimento de
um programa de reconhecimento do alfabeto para um escolar com deficiência
intelectual. A pesquisa é de cunho experimental, utilizando-se delineamento de
sujeito único e delineamento AB. O
participante foi um escolar do gênero masculino, com idade de 13 anos,
matriculado no 6º ano em um município paulista de médio porte. O escolar
possuía dificuldades no reconhecimento e identificação das letras do alfabeto,
problemas na ortografia e na pontuação, bem como insuficiência no processo de
leitura e escrita. Foram realizadas 12 sessões (seis de linha de base - inicial
e final - e seis de intervenção por meio do programa. A duração de cada sessão foi
aproximadamente entre 30 e 50 minutos. O programa de intervenção elaborado
apresentava um cronograma de atividades a serem desenvolvidas, de modo que ao
término da intervenção o escolar reconhecesse e identificasse todas as letras
do alfabeto. Os instrumentos e materiais utilizados no estudo foram: (a)
Caderno de Campo; (b) Protocolo e; (c) Materiais utilizados nas sessões de
intervenção. Os resultados apontaram a eficácia do programa de intervenção e a
necessidade de alfabetização a partir do letramento, de modo que o escolar
adquira habilidades necessárias para a leitura e escrita.
Palavras-Chave: Educação Especial. Programa
de Ensino. Deficiência Intelectual.
ABSTRACT: The study aimed to
evaluate the development of an alphabet recognition program for a schoolchild
with intellectual disability. The research is experimental, using a single
subject design and AB design. The participant was a male schoolchild, aged 13
years old, enrolled in the 6th grade in a medium-sized São Paulo municipality.
The student had difficulties in recognizing and identifying the letters of the
alphabet, problems in spelling and punctuation, as well as insufficiency in the
reading and writing process. The duration of each session was approximated in
30 and 50 minutes, and the intervention program elaborated presented a schedule
of activities to be carried out (a) Field Book, (b) Protocol and (c) Materials
used in the intervention sessions, and (c) Materials used in the intervention
sessions. results pointed to the effectiveness of the intervention program and
the need for literacy from literacy, so that the student will acquire the
skills necessary for reading and writing.
Keywords: Special Education. Teaching Program. Intellectual Disability.
Recebido
em: 01/03/2018
Reformulado
em:
12/06/2018
Aceito
em: 25/08/2018
INTRODUÇÃO
O Atendimento Educacional
Especializado (AEE) é definido por intermédio do Decreto nº 7.611, de 17 de
novembro de 2011, como o “[...] conjunto de atividades, recursos de
acessibilidade e pedagógicos organizados institucional e continuamente” (BRASIL,
2011, art. 2º, parágrafo 1º). A legislação prevê que o AEE seja prestado aos
estudantes público-alvo da Educação Especial[3], de
forma suplementar (aos estudantes com altas habilidades ou superdotação) e
complementar (aos estudantes com deficiência e transtornos globais do
desenvolvimento).
Antes mesmo do Decreto nº
7.611 (BRASIL, 2011) regulamentar os serviços de Educação Especial e a oferta
do AEE, a Constituição Federal (BRASIL, 1988) já assegurava a educação como
direito social público e subjetivo, estabelecendo o dever do Estado na oferta
do AEE às pessoas com deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino
(BRASIL, 1988).
A Lei nº 7.853, de 24 de
outubro de 1989, garante a inclusão da Educação Especial enquanto modalidade de
educação escolar, no sistema educacional, englobando escolas públicas e privadas.
De acordo com o dispositivo, os alunos com deficiência devem receber os mesmos
benefícios ofertados aos demais alunos, além do acesso “[...] aos benefícios
conferidos aos demais educandos, inclusive material escolar, merenda escolar e
bolsas de estudo” (BRASIL, 1989, art. 2º, inciso I, alínea e).
O Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA), promulgado por intermédio da Lei nº 8.069, de 13 de julho de
1990, garante às crianças e adolescentes com deficiência, o Atendimento
Educacional Especializado, de forma que ocorra preferencialmente na rede
regular de ensino. Além disso, garante-se por intermédio da legislação, a
prioridade de atendimento nas ações e políticas públicas de prevenção e
proteção (BRASIL, 1990).
Na Lei de Diretrizes e Bases
(LDB), sancionada por meio da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, e com
modificações pela Lei nº 12.796, de abril de 2013, a Educação Especial é
definida como “modalidade de educação escolar oferecida preferencialmente na
rede regular de ensino, para educandos com deficiência, transtornos globais do
desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação” (BRASIL, 1996, art. 58).
De acordo com Minto (2000),
pode-se verificar dois aspectos positivos relacionados ao texto da LDB: o
primeiro seria o fato da Educação Especial ser considerada modalidade de
educação escolar e o segundo refere-se ao local de oferecimento dos serviços de
educação especial – a rede regular de ensino.
Garante-se na LDB diversos
serviços de Educação Especial, tais como: (a) currículos, métodos, técnicas,
recursos educativos e organização específicos; (b) terminalidade específica
para aqueles que não puderem atingir o nível exigido, em virtude de suas
deficiências, e aceleração para concluir em menor tempo o programa escolar para
os superdotados; e, (c) professores com especialização adequada em nível médio
ou superior, para AEE, bem como professores do ensino regular capacitados para
a integração desses educandos nas classes comuns; dentre outros (BRASIL, 1996).
O Plano Nacional de Educação
(PNE) anterior, promulgado por meio da Lei nº 10.172, de 9 de janeiro de 2001,
assegura que a Educação Especial se destinaria “[...] às pessoas com
necessidades especiais no campo da aprendizagem, originadas quer de deficiência
física, sensorial, mental ou múltipla, quer de características como altas
habilidades, superdotação ou talentos” (BRASIL, 2001, n.p.).
As Diretrizes Nacionais para a
Educação Especial na Educação Básica (BRASIL, 2001),asseguram possibilidades
para o atendimento escolar de alunos com deficiência, delimitando os estudantes com necessidades educacionais
especiais como aqueles que demonstram dificuldades acentuadas de
aprendizagem ou limitações no processo de desenvolvimento, compreendidos em
dois grupos: (a) não vinculadas à uma causa orgânica específica; e, (b) aquelas
relacionadas a condições, disfunções, limitações ou deficiências (BRASIL, 2001).
De acordo com as Diretrizes,
os serviços de apoio pedagógico especializado devem ocorrer no espaço escolar,
podendo ser realizado em: (a) classes comuns; (b) salas de recursos; (c)
itinerância; e, (d) professores intérpretes. O dispositivo afirma que “todos os
professores de educação especial e os que atuam em classes comuns deverão ter
formação para as respectivas funções, principalmente os que atuam em serviços
de apoio pedagógico especializado” (BRASIL, 2001, p. 50).
Pode-se observar ao longo da
legislação educacional diversas implicações das políticas públicas para a
organização do trabalho pedagógico com foco na inclusão escolar de estudantes
público-alvo da Educação Especial. O documento norteador mais recente, a
Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (PNEEPEI)
(BRASIL, 2008), ratifica a inclusão desses estudantes no sistema regular de
ensino, mas dá ênfase na possibilidade desse atendimento ser ofertado nas salas
de recursos multifuncionais.
Segundo a PNEEPEI (BRASIL,
2008), o movimento pela Educação Inclusiva é “uma ação política, cultural,
social e pedagógica, desencadeada em defesa do direito de todos os estudantes
de estarem juntos, aprendendo eparticipando, sem nenhum tipo de discriminação” (BRASIL,
2008, p. 1). Com base no documento, a Educação Inclusiva é concebida como um
paradigma educacional fundamentado na abordagem dos direitos humanos, na qual é
reconhecida e valorizada a diversidade humana.
As Diretrizes Operacionais
para o Atendimento Educacional Especializado na Educação Básica, instituídas
por meio da Resolução nº 4, de 2 de outubro de 2009, apontam que o AEE teria
como função “complementar ou suplementar a formação do aluno por meio da
disponibilização de serviços, recursos de acessibilidade e estratégias que
eliminem as barreiras para sua plena participação na sociedade e
desenvolvimento de sua aprendizagem” (BRASIL, 2009, art. 2º).
O artigo 9º das Diretrizes
aponta que cabe ao professor que atua em salas de recursos multifuncionais ou
em centros de atendimento educacional especializado, a elaboração e a execução
dos planos de AEE, por meio da articulação com demais professores, participação
da família e serviços de saúde, assistência social, dentre outros (BRASIL,
2009).
Por meio dos documentos
apresentados, pode-se observar que há um complexo embasamento jurídico no que
diz respeito à escolarização de estudantes público-alvo da Educação Especial
nos sistemas de ensino. No próximo tópico serão detalhados aspectos sobre a
escolarização de estudantes com deficiência intelectual, com base nos
resultados de pesquisas desenvolvidas em âmbito nacional.
Escolarização de estudantes com
deficiência intelectual
A deficiência intelectual[4] é definida
na legislação brasileira como “funcionamento intelectual significativamente
inferior à média, com manifestação antes dos dezoito anos e limitações
associadas a duas ou mais áreas de habilidades adaptativas” (BRASIL, 1999, art.
4º, inciso IV). Tais áreas são apresentadas pelo Decreto nº 3.298, de dezembro
de 1999: comunicação, cuidado pessoal, habilidades sociais, utilização dos
recursos da comunidade, saúde e segurança, habilidades acadêmicas, lazer e
trabalho (BRASIL, 1999).
O Departamento de Informática
do Sistema Único de Saúde (DATASUS, 2008) delimita a deficiência intelectual
enquanto retardo mental, sendo então
a:
Parada do
desenvolvimento ou desenvolvimento incompleto do funcionamento intelectual,
caracterizados essencialmente por um comprometimento, durante o período de
desenvolvimento, das faculdades que determinam o nível global de inteligência,
isto é, das funções cognitivas, de linguagem, da motricidade e do comportamento
social. O retardo mental pode acompanhar um outro transtorno mental ou físico,
ou ocorrer de modo independentemente. (DATASUS, 2008, p. 28)
As subdivisões apresentadas no
DATASUS baseiam-se em: retardo mental leve, retardo mental moderado, retardo
mental grave, retardo mental profundo, outro retardo mental e retardo mental
não especificado. Com base nas informações presentes no sítio eletrônico do
DATASUS, foi elaborado o quadro a seguir para fins de conhecimento sobre a
deficiência intelectual, principalmente no tocante à categorização:
Quadro
1:
Caracterização da Deficiência Intelectual a partir dos dados do DATASUS
Código |
Título |
Definição |
Inclui |
F70 |
Retardo
Mental Leve |
Amplitude
aproximada do QI entre 50 e 69 (em adultos, idade mental de 9 a menos de 12
anos). Provavelmente devem ocorrer dificuldades de aprendizado na escola.
Muitos adultos serão capazes de trabalhar e de manter relacionamento social
satisfatório e de contribuir para a sociedade. |
-
atraso mental leve -
debilidade mental -
fraqueza mental -
oligofrenia leve -
subnormalidade mental leve |
F71 |
Retardo
Mental Moderado |
Amplitude
aproximada do QI entre 35 e 49 (em adultos, idade mental de 6 a menos de 9
anos). Provavelmente devem ocorrer atrasos acentuados do desenvolvimento na
infância, mas a maioria dos pacientes aprendem a desempenhar algum grau de
independência quanto aos cuidados pessoais e adquirir habilidades adequadas
de comunicação e acadêmicas. Os adultos necessitarão de assistência em grau
variado para viver e trabalhar na comunidade. |
-
atraso mental médio -
oligofrenia moderada -
subnormalidade mental moderada |
F72 |
Retardo
Mental Grave |
Amplitude
aproximada de QI entre 20 e 40 (em adultos, idade mental de 3 a menos de 6
anos). Provavelmente deve ocorrer a necessidade de assistência contínua. |
-
atraso mental grave -
oligofrenia grave -
subnormalidade mental grave |
F73 |
Retardo
Mental Profundo |
QI
abaixo de 20 (em adultos, idade mental abaixo de 3 anos). Devem ocorrer
limitações graves quanto aos cuidados pessoais, continência, comunicação e
mobilidade. |
-
atraso mental profundo -
oligofrenia profunda -
subnormalidade mental profunda |
F78 |
Outro
Retardo Mental |
--- |
--- |
F79 |
Retardo
Mental Não Especificado |
--- |
-
deficiência mental SOE -
oligofrenia SOE -
subnormalidade mental SOE |
Fonte:
Elaboração própria, adaptado de DATASUS (2008)
Segundo Gomes, Fernandes e
Batista et al (2007), a deficiência intelectual desafia a escola no que se
refere ao objetivo de ensinar. Segundo os autores, o aluno com deficiência
intelectual apresenta dificuldade de construir conhecimento como os demais e de
demonstrar a sua capacidade cognitiva, principalmente nas escolas que mantêm um
modelo conservador de ensino e uma gestão autoritária e centralizadora (GOMES;
FERNANDES; BATISTA, 2007).
Tal publicação do Ministério
da Educação, enquanto documento subsidiário também apresenta uma concepção de inclusão total ou full inclusion[5],
como pode ser observado a seguir:
Assim, durante anos e
mesmo até hoje, há os que acreditam que a inclusão só é possível em alguns
casos, apenas para os alunos adaptáveis ao modelo excludente dessa escola.
Alegam que ainclusão total é irresponsável! Os que assim pensam e agem estão
provocando a segregação dentro da própria Escola Especial, ou seja, uma espécie
de exclusão da exclusão, em que os alunos são subdivididos entre aqueles que
têm condições de ser encaminhados para a escola comum e aqueles que, por serem
considerados, casos graves, jamais poderão ser incluídos nela (GOMES;
FERNANDES; BATISTA, 2007, p. 21).
Essa reflexão sobre inclusão
parcial ou total é pertinente, pois possui muitas implicações para a
reorganização do trabalho pedagógico no que se refere ao Atendimento
Educacional Especializado de estudantes com deficiência intelectual. Enquanto
para os defensores da inclusão total,
quem possui outra concepção de inclusão acaba provocando a segregação, para
outros autores torna-se necessário pensar em uma política que atenda
efetivamente os estudantes com deficiência.
Sendo assim, divergindo de
Gomes, Fernandes e Batista (2007), Mendes (2006) preconiza que:
A consequência dessa
política nacional no âmbito dos estados e municípios tem sido guiada mais pela
atratividade do baixo custo, pois a curto prazo a ideologia da inclusão total
traz vantagens financeiras, porque justifica tanto o fechamento de programas e
serviços nas escolas públicas (como as classes especiais ou salas de recursos),
quanto a diminuição do financiamento às escolas especiais filantrópicas. A
médio e longo prazos, ela permite ainda deixar de custear medidas tais como a
formação continuada de professores especializados, mudanças na organização e
gestão de pessoal e no financiamento para atender diferencialmente o alunado
com necessidades educacionais especiais. (MENDES, 2006, p. 400)
Assim, é fundamental que
repensemos o lócus de oferta do
Atendimento Educacional Especializado e a necessidade dos serviços de educação
especial não somente na rede regular de ensino, mas paralelos e conveniados com
o Poder Público, como definido no Decreto nº 7.611 (BRASIL, 2011).
Na perspectiva da Educação
Inclusiva, os serviços de Educação Especial ofertados aos estudantes com
deficiência intelectual devem levar em consideração as especificidades desse
público. Nesse sentido, diversos estudos se debruçam sobre implementação e
avaliação de programa de ensino para esse público, visando consolidar o
processo de ensino e aprendizagem de estudantes com deficiência intelectual.
A literatura científica na
área de Educação Especial aponta uma série de programas de ensino implementados
para potencializar a leitura e escrita de estudantes com deficiência, em
especial deficiência intelectual (RODRIGUES; CAPELLINI, 2009; ARAÚJO, PEREIRA;
ALMEIDA, 2009; FREITAS, 2012).
O trabalho de Paiva, Almeida e
Martinez (2009) objetivou verificar a eficácia da intervenção com o professor
para a diminuição de comportamentos inadequados de crianças com déficit
intelectual. Assim sendo, foram participantes do estudo, quatro escolares do
sexo feminino, que possuíam diagnóstico de déficit intelectual e a professora
das mesmas. Por meio do delineamento AB, foi realizada a linha de base e os
procedimentos de intervenção, de modo que foi introduzido o sistema de fichas
para reforçar o comportamento adequado dos escolares e intervir nos
comportamentos inadequados.
Os resultados do trabalho de
Paiva, Almeida e Martinez (2009) apontaram que a consultoria colaborativa
proporcionou interações positivas no sentido de construção de métodos para
controle dos comportamentos inadequados que geravam transtornos na sala de
aula. Após a intervenção os comportamentos inadequados diminuíram
consideravelmente e outros foram extintos.
A pesquisa de Sousa (2008)
analisou as expetativas manifestadas pelos professores da sala comum e do
Atendimento Educacional Especializado em um município mineiro que possuía
escolares com deficiência intelectual matriculados. A pesquisadora realizou um
estudo de campo, de caráter analítico-crítico, realizando a aplicação de
questionários com perguntas abertas, fechadas e mistas aos professores e
utilizou diversos procedimentos para a análise dos dados.
Os resultados do estudo de
Sousa (2008) apontaram diversas expectativas dos professores para os escolares
com deficiência intelectual, tais como a socialização e a aprendizagem, bem
como a inclusão dos escolares na sala comum, desde que haja uma série de
modificações no espaço escolar para o atendimento desse alunado.
O estudo de Oliveira (2011)
objetivou verificar a efetividade de um programa de leitura e escrita
individualizado para aprimorar as habilidades de leitura de escolares com
deficiência intelectual que frequentavam salas de recursos multifuncionais em
escolas de Ensino Fundamental. A pesquisadora utilizou o programa com dois
participantes, em fases diferentes de alfabetização, na qual o programa 1
ensinava a leitura de palavras simples e o programa 2 ensinava a leitura de
palavras com dificuldades da língua.
Os resultados apresentados na
pesquisa de Oliveira (2011) indicaram a efetividade do programa para o ensino
de leitura de palavras simples e ao mesmo tempo complexas, o que pode possibilitar
a aprendizagem dos alunos no processo de alfabetização, na qual o serviço de
apoio pedagógico especializado tem papel fundamental para atuação junto aos
escolares, de modo que potencialize a aprendizagem dos alunos.
O trabalho de Barbosa (2014)
examinou o aproveitamento referente às habilidades do letramento emergente e às
habilidades de leitura básicas apresentadas por um grupo de estudantes com
deficiência intelectual que cursavam o Ensino Fundamental na rede regular e
recebiam o Atendimento Educacional Especializado no contraturno. Os resultados
apontaram que os alunos apresentaram familiaridade somente com uma parcela
reduzida do conjunto de componentes do letramento emergente e nenhuma
familiaridade com as habilidades de decodificação de palavras isoladas e em
textos, de modo que não alcançavam os critérios mínimos exigidos para essa
etapa de alfabetização dos escolares.
Entende-se que a aquisição do
conhecimento sobre letras e fonemas dos elementos que constituem o alfabeto
torna-se essencial para o melhor desempenho da leitura e da escrita de
escolares com ou sem deficiência.
O estudo objetivou analisar os
efeitos de um programa de identificação e reconhecimento de letras do alfabeto
como procedimento de ensino para um escolar com deficiência intelectual,
matriculado no 6º ano do Ensino Fundamental na rede pública estadual de um
município de médio porte do interior paulista.
MÉTODO
Os
aspectos referentes ao método serão apresentados nos seguintes itens: (a)
Delineamento AB; (b) Variável dependente e independente; (c) Participantes; (d)
Descrição das Sessões; (e) Descrição do Programa de Intervenção; (f)
Instrumentos e; (g) Análise dos Dados.
Delineamento
AB
A pesquisa é de cunho
experimental, a qual de acordo com Vilela e Manzini (2009), “é um estudo no
qual o pesquisador manipula diferentes grupos, sejam eles de animais ou seres
humanos” (VILELA; MANZINI, 2009, p. 286). Segundo os autores, essa manipulação
ocorre de diversas formas e em grupos diferentes. No entanto, nesse estudo
trabalharemos por meio do delineamento de sujeito único, baseado em um estudo
de caso. A pesquisa foi desenvolvida por meio do delineamento AB, sendo essa
aquela que tem o sujeito como seu próprio controle, na qual realiza-se a linha
de base (A) e a intervenção (B).
Variável dependente e independente
A variável independente, sendo
o fator, causa ou antecedente que determina a ocorrência de outro fenômeno,
efeito ou consequente, baseou-se no programa de intervenção para reconhecimento
e identificação das letras do alfabeto pelo escolar com deficiência
intelectual. A variável dependente, enquanto fator decorrente da ação da
variável independente baseou-se no desempenho do escolar referente à
identificação e reconhecimento das letras do alfabeto.
Participantes
A seleção dos participantes se
deu inicialmente por meio de contato por mensagem eletrônica com a professora
da sala de recursos multifuncionais, que disponibilizou os pareceres detalhados
dos escolares atendidos na sala. Após a leitura minuciosa dos pareceres foi
selecionado um escolar com nove anos, entretanto não foi possível sua
participação, sendo necessária outra seleção.
O participante selecionado
para o estudo foi um escolar do gênero masculino, com idade de 13 anos,
matriculado no 6º ano do Ensino Fundamental em uma escola pública estadual de
um município paulista de médio porte.
O estudante frequentava o
ensino regular e a sala de recursos multifuncionais da própria escola,
recebendo o atendimento educacional especializado no contraturno, conforme
diretrizes da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação
Inclusiva (BRASIL, 2008).
De acordo com os pareceres
técnicos da professora da sala de recursos multifuncionais, o escolar possuía
dificuldades no reconhecimento e identificação das letras do alfabeto,
problemas na ortografia e na pontuação, bem como insuficiência no processo de
leitura e escrita.
Descrição das Sessões
Foram realizadas 12 sessões,
das quais seis foram de linha de base (inicial e final) e seis de intervenção
por meio do programa. A duração de cada sessão era aproximada em 30 e 50
minutos, exceto as de linhas de base que eram mais curtas. O local de
realização das atividades foi a sala de recursos multifuncionais, espaço
disponibilizado pela gestão escolar para o desenvolvimento do trabalho.
Descrição do programa de intervenção
O programa de intervenção
elaborado para o escolar com deficiência intelectual apresentava um cronograma
de atividades a serem desenvolvidas, como pode ser observado no Quadro 2:
Quadro
2:
Detalhamento das sessões
Sessão |
1ª |
2ª |
3ª |
4ª |
5ª |
6ª |
7ª |
8ª |
9ª |
10ª |
11ª |
12ª |
Itens
trabalhados |
LB |
LB |
LB |
Ensino
do S |
Ensino
do J |
Ensino
de F e G |
Ensino
de R e T |
Ensino
do Q |
Ensino
de M e N |
LB |
LB |
LB |
Fonte:
Elaboração própria (2015)
Como pode-se observar no
Quadro 2, durante as três primeiras sessões foram realizadas as medidas de Linha
de Base (LB) e da quarta sessão até a nona, foram realizadas as sessões de
intervenção. Da décima sessão até a décima segunda foram realizadas novas
sessões de LB, de modo que o pesquisador pudesse realizar a sondagem da
eficácia ou não do programa de intervenção.
Instrumentos
Os instrumentos utilizados no
estudo foram: (a) Caderno de Campo; (b) Protocolo e; (c) Materiais utilizados
nas sessões de intervenção.
O protocolo foi construído
para a obtenção das medidas, de modo que observássemos o desempenho do escolar
no que se refere aos erros e acertos no processo da identificação e
reconhecimento das letras. O instrumento identificava a sessão e a data, bem
como o aplicador do instrumento, e, possuía um detalhamento de informações para
o possível aplicador, de modo que cada oportunidade fosse desenvolvida em todas
as sessões de maneira uniforme.
O protocolo desenvolvido pode
ser observado por intermédio da figura 1:
Figura
1:
Protocolo (Instrumento de Pesquisa)
Fonte:
Elaboração própria (2015)
Como pode-se observar na
Figura 1, o escolar possuía três oportunidades. Na primeira e na segunda o
aplicador apontava para as letras de forma crescente (A a Z) e o escolar
deveria reconhecer e identificar as letras. Se acertasse, era marcado um X na
primeira tentativa, e caso errasse, era dada outra chance e preenchido o espaço
da segunda tentativa. Entretanto, o erro era computado na mensuração final da
sessão de intervenção.
Na terceira oportunidade o
aplicador solicitava que o escolar apontasse as letras de forma aleatória, de
modo que diferentemente da primeira e segunda oportunidade, o escolar
identificaria e reconheceria a letra, porém de forma aleatória.
Análise dos Dados
Os
dados transcritos no Protocolo e no Caderno de Campo foram compilados. Os
protocolos preenchidos pelos juízes foram confrontados com os dados obtidos
pelo pesquisador e transcritos para o Protocolo digital. Participaram dois
juízes, mestrandos do Programa de Pós-Graduação em Educação Especial da
instituição, que tiveram como objetivo verificar a fidedignidade dos dados
coletados por meio do instrumento. Realizou-se também uma análise qualitativa e
quantitativa dos dados e a disposição dos mesmos em planilhas e editores de
texto.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
Os
dados apresentados a seguir serão descritos com base nas oportunidades dadas ao
estudante durante a aplicação do programa de intervenção, após análise de forma
crítica do programa de intervenção construído para o escolar. Os dados foram
organizados em gráficos, de modo que fosse melhor para a observação do
desempenho do escolar referente à identificação e reconhecimento das letras do
alfabeto.
Gráfico 1: Desempenho do Escolar na 1ª
oportunidade
Fonte: Elaboração própria
com base nos dados do estudo (2015).
Com base nos dados
apresentados no Gráfico 1, pode-se observar o desempenho do escolar frente ao
programa de intervenção. LB1, LB2 e LB3 referem-se às sessões de Linha de Base.
IT1, IT2, IT3, IT4, IT5 e IT6 referem-se às sessões de intervenção e LB4, LB5 e
LB referem-se às sessões de sondagem, nas quais foram realizadas sessões de
Linha de Base.
Como pode-se verificar no
gráfico 1, a partir da primeira sessão de intervenção, o escolar apresenta
estabilidade no que se refere à identificação e reconhecimento das letras, o
que vai ocorrer de forma diferente na oportunidade 2 (Gráfico 2), mesmo que as
atividades desenvolvidas pelo aplicador sejam semelhantes:
Gráfico
2:
Desempenho do escolar na 2ª oportunidade
Fonte: Elaboração própria, com
base nos dados do estudo (2015)
Conforme
pode ser visualizado no gráfico 2, por mais que tenha havido estabilidade ao
longo das sessões, ainda houve certa oscilação entre as sessões de intervenção
e da primeira linha de base. Somente após a sessão IT4, o escolar passa a
acertar as 23 letras do alfabeto e essa medida vai se estabilizando até a
sessão LB6, o que de certo modo aponta que o escolar manteve o desempenho.
Já no que se refere à terceira
oportunidade, que baseava-se em apontar a letra solicitada pelo aplicador de
forma aleatória, o número de erros e acertos possui certa variabilidade, como
pode ser observado no gráfico 3:
Gráfico
3:
Desempenho do escolar na 3ª oportunidade
Fonte:
Elaboração
própria, com base nos dados do estudo (2015)
Como pode ser observado no
Gráfico 3, devido à atividade solicitada pelo aplicador ser mais complexa, o
número de erros foi intenso até que houvesse estabilidade a partir da sessão IT
5. O número de erros em média era de 4 erros, porém, nas diferentes sessões, enquanto
acertava-se a letra que errava-se na sessão anterior, em outra o escolar
poderia errar um questão que tivesse acertado na sessão anterior, e assim
sucessivamente. Porém, após o programa de intervenção, a partir da sessão IT5,
o escolar passa a ter o desempenho esperado, mantendo o acerto das 23 letras do
alfabeto.
CONCLUSÃO
O estudo objetivou analisar os
efeitos de um programa de identificação e reconhecimento de letras do alfabeto
como procedimento de ensino para um escolar com deficiência intelectual,
matriculado no 6º ano do Ensino Fundamental na rede pública estadual de um
município de médio porte do interior paulista.
A variável interveniente,
sendo aquela que modifica a variável dependente sem que tenha havido
modificação na variável independente, baseou-se em fatores ambientais e
temporais que influenciaram o desempenho do escolar frente à implementação do
programa de intervenção.
Embora o programa tenha
apresentado algumas limitações ao longo das sessões (fidedignidade, sessões em
curto espaço de tempo, cronograma, local), pode-se observar um aumento no
desempenho do escolar no que se refere à aquisição do reconhecimento das letras
e fonemas que compõem o alfabeto.
Pode-se dizer que mesmo que o
escolar estivesse acompanhando em parte as atividades da turma, ainda
apresentava dificuldades na leitura e na escrita, o que aponta para uma lacuna
desse estudo que pode ser superada na construção de outros programas de
intervenção. Assim, acredita-se que a utilização de programas educacionais para
escolares com deficiência intelectual pode contribuir para superação da
aquisição ineficaz do alfabeto, de modo que a concepção da alfabetização mecânica seja
superada pela concepção do letramento.
REFERÊNCIAS
ARAÚJO,
J. J; PEREIRA, A. F. O; ALMEIDA, V. J. Ensino da leitura para alunos com Deficiência
Mental (DM). Centro Científico Conhecer, Goiânia, Enciclopédia
Biosfera N.07, 2009.
BARBOSA,
E. A. O. Letramento emergente,
consciência fonológica e leitura de alunos com deficiência intelectual no
ensino regular. Programa de Pós-Graduação em Educação Especial
(Dissertação). São Carlos: UFSCar, 2014.
BRASIL. Constituição da República Federativa.
Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: <www.planalto.gov.br>.
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[1] Mestre e
Doutorando em Educação Especial pela Universidade Federal de São Carlos
(UFSCar). Técnico em Assuntos Educacionais na Universidade Federal do Amazonas
(UFAM). E-mail: samueljunior.ns@gmail.com
[2] Doutora em Educação
Escolar pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho
(UNESP-Araraquara). Docente do Programa de Pós-Graduação em Educação da
Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). E-mail: marciaduar@yahoo.com.br
[3] Optou-se por utilizar ao
longo do trabalho a terminologia público-alvo
da Educação Especial, como descrito no Decreto nº 7.611, de 17 de novembro
de 2011 e nas demais publicações do Ministério da Educação (MEC). De acordo com
o documento, compõem o grupo estudantes com deficiência, transtornos globais do
desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação.
[4] No Decreto nº 3.298, de 20
de dezembro de 1999, mantém-se o termo deficiência
mental, entretanto como o termo vem sendo substituído amplamente pela
comunidade acadêmica por deficiência
intelectual, optamos por manter o novo termo.
[5]O termo full inclusion (GARTNER & LIPSKY, 1989; STAINBACK &
STAINBACK, 1984 in MENDES, 2006) é traduzido como inclusão total por Mendes (2006) e representa uma concepção de
política de inclusão que compreende a matrícula de todos os estudantes com
deficiência no sistema regular de ensino.