PERCEPÇÕES DE UMA PROFESSORA QUE ATUA COMO BIDOCENTE: EM DEFESA DE UMA EDUCAÇÃO INCLUSIVA

PERCEPTIONS OF A TEACHER WHO ATTENDS AS A BIDENCY: IN DEFENSE OF AN INCLUSIVE EDUCATION

Jonathan Fernandes de AGUIAR[1] | Maria Vitória Campos Mamede MAIA[2]

RESUMO: A bidocência é uma estratégia e tem como princípio a parceria entre o professor regente de turmas regulares de ensino e o professor da Educação Especial, desenvolvendo um trabalho colaborativo, propostas que tem em comum a aprendizagem de todos os alunos respeitando a singularidade de cada indivíduo. Deste modo, este artigo tem como objetivo refletir sobre a bidocência, em uma instituição pública federal de ensino, a partir das percepções do professor especializado que atua nas séries iniciais do ensino fundamental/Educação Especial. Este estudo é considerado qualitativo, do tipo estudo de caso. Utiliza como instrumento para coleta de dados, uma entrevista semiestrutura com a primeira bidocente de uma instituição federal de ensino. Sobretudo, conclui-se com esta pesquisa com base nas percepções da professora entrevistada, o quanto é fundamental a inserção de um profissional com saberes e experiências no campo da Educação Especial que dialoga com a perspectiva da Educação Inclusiva no espaço educacional, no sentido de tornar o cotidiano escolar inclusivo para todos.  Igualmente fica claro que deve o sistema educacional adotar a bidocência, ter como parâmetro a não contratação de professores temporários, como norma de edital, já que pelos estudos e pesquisas dos autores deste artigo comprova-se que um ambiente suficientemente bom é aquele que proporciona ao sujeito humano estabilidade, confiança e credulidade.  

Palavras-Chave: Bidocência. Educação Especial. Educação Inclusiva.

ABSTRACT: The bidding is a strategy and has as a principle the partnership between the teacher regent of regular teaching classes and the teacher of Special Education, developing a collaborative work, proposals that have in common the learning of all students respecting the individuality of each individual. In this way, this article aims to reflect on the bidding, in a federal public institution of education, based on the perceptions of the specialized teacher who works in the initial series of elementary education / Special Education. This study is considered qualitative, of the case study type. It uses as instrument for data collection, a semistructure interview with the first bidocente of a federal teaching institution. Above all, it is concluded with this research based on the perceptions of the teacher interviewed, how fundamental is the insertion of a professional with knowledge and experiences in the field of Special Education that dialogues with the perspective of Inclusive Education in the educational space, in the sense of making inclusive daily life for all. It is also clear that the educational system must adopt bidding, have as a parameter the non contracting of temporary teachers, as a public bidding rule, since the studies and researches of the authors of this article prove that a good enough environment is one that provides the human subject stability, trust and credulity.

Keywords: Bidocence. Special education. Inclusive education.

Recebido em: 25/07/2018

Reformulado em: 18/09/2018

Aceito em: 26/11/2018

INTRODUÇÃO

 

Inclusão é um processo, e processo não se ensina, vive-se (SANTOS, 2008, p.8)

Este artigo tem como objetivo refletir sobre a bidocência, em uma instituição pública federal de ensino, a partir das percepções do professor especializado que atua nas séries iniciais do ensino fundamental/Educação Especial. Sendo este resultado de pesquisas do Grupo de Pesquisa Criar e Brincar: o lúdico no processo de ensino-aprendizagem (LUPEA), vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGE/UFRJ), cujos estudos há sempre a questão do processo inclusivo em sala de aula, assim como construção de possibilidades de lidar com a exclusão recorrente de pessoas com deficiência.

Para poder dar conta do estudo aqui proposto foram elencadas duas questões norteadoras: 1)Quais são as formações, concepções e práticas de um professor que atua como bidocente? e, 2) Quais os limites e as possibilidades deste profissional no cotidiano escolar na implementação de uma educação inclusiva? A fim de construir possíveis respostas às formulações norteadoras, delineou-se um estudo que se enquadra em um trabalho qualitativo (CANEN; IVENICKI, 2016) do tipo estudo de caso (ANDRÉ, 2013, 2005, 1995; YIN, 2001), por ter como sujeito o primeiro professor bidocente de uma instituição federal de ensino. Foram dois os instrumentos utilizados para esta pesquisa.

O primeiro, uma entrevista semiestruturada com a professora que atua como bidocente, sujeito deste estudo, que aconteceu na Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro, no mês de julho de 2018, com a duração de uma hora e trinta e dois segundos.

O segundo instrumento, para articular com o depoimento da bidocente, foi a análise do primeiro Edital para contratação do professor das Séries Iniciais/Educação Especial (2017) assim como as legislações que tratam da temática Educação Especial, Bidocência e Educação Inclusiva, quais sejam, a Lei Diretrizes e Bases da Educação (BRASIL, 1996), Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica (BRASIL, 2013), Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL, 2008), e, Constituição Federal (BRASIL, 1988). Para análise do material coletado foi utilizado o método análise de conteúdo, do tipo temático de Bardin (2016). As categorias primárias desta pesquisa foram: Bidocência, Educação Especial e Educação Inclusiva. Estas foram os vetores de análise tanto documental quanto da entrevista com a primeira bidocente da instituição estudada.

INCLUSÃO: UMA ESCOLA PARA TODOS A PARTIR DO OLHAR DE UMA PROFESSORA BIDOCENTE

Atualmente as escolas públicas e privadas, no âmbito municipal, estadual e federal, com a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, preveem que as escolas devam tornar seus estabelecimentos de ensino inclusivo, atendendo também aqueles que são público-alvo da Educação Especial preferencialmente na rede pública de ensino crianças, jovens, adultos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento, altas habilidade e superdotação (BRASIL, 2008, 1996).

No ano 2018, a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (2008) completa uma década. Com esta legislação, os cursos de formação docente no Brasil passaram por diversas modificações em relação à estrutura curricular, criando disciplinas que abordam a temática da Educação Especial e Educação Inclusiva. Os profissionais da área educacional participaram de cursos de formação inicial e continuada para que pudessem desenvolver esse processo inclusivo no cotidiano de suas escolas e salas de aula. As escolas começaram a oferecer atendimentos, no contraturno, aos alunos que são atendidos pela Educação Especial, criaram sala de recursos, houve contratação em alguns municípios e estados de agentes de apoio de educação especial, mediadores, concursos para professores atuarem nas salas de recursos, concursos de técnicos de assuntos educacionais com ênfase em Educação Especial, professor de séries iniciais ênfase em Educação Especial. Todo esse processo tinha como fim tornar as escolas inclusivas, garantindo o direito de todos à Educação conforme previsto na Constituição Federal (BRASIL, 1988).

Diante deste contexto, após nove anos de uma política nacional de Educação Especial, uma instituição federal de ensino realiza o primeiro concurso para professor de series iniciais do ensino fundamental/Educação Especial, no ano de 2017, em caráter temporário. Ao perguntar a professora que atua como bidocente - sendo esta uma estratégia que contribui para o processo inclusivo em turmas regulares de ensino em parceria com o professor regente, sobre o porquê da existência de um concurso temporário para professor de Educação Especial, ela respondeu que este ocorreu devido ao fato de esta instituição ter recebido dois alunos considerados da Educação Especial - um por possuir Paralisia Cerebral (PC) e o outro Transtorno Espectro Autista (TEA), tendo ingressado na instituição por meio de um sorteio público para preenchimento de vagas para o primeiro ano do ensino fundamental, em ampla concorrência, sem a existência de vagas destinada para o público-alvo da Educação Especial. Com isto, a atuação desta docente, seria caracterizada como bidocência.

 Esta professora recém-contratada pela instituição de ensino federal passou a atuar nas séries iniciais do Ensino Fundamental (1º ao 5º ano), mais especificamente no 1º ano, onde havia esses alunos da Educação Especial, juntamente com o professor regente da turma, com a pretensão de propiciar a inclusão daqueles que não podem ser atendidos por um único professor, segundo o depoimento da docente entrevistada. Neste sentido, Glat e Plestsh (2011) definem bidocência como:

[...] trabalho colaborativo entre o professor regente da turma e um professor de apoio da educação especial [...] trabalham juntos na classe comum, dividindo a responsabilidade de planejar, avaliar e organizar as práticas pedagógicas para atender às demandas colocadas pela inclusão de alunos com necessidades educacionais especiais (GLAT; PLESTSCH, 2011, p. 24).

A atuação dos dois docentes é realizada em parceria, orientando os alunos nas atividades em sala de aula, desenvolvendo propostas, projetos para que aprendizagem seja significativa para todos, respeitando a singularidade, as habilidades e o tempo de cada um, já que se sabe, pelos estudos de Sacristán (2000, 1999) que cada aluno aprende de uma maneira e possui um ritmo em relação a sua aprendizagem. Toda sala de aula é composta por alunos cujos percursos são múltiplos diante do aprender e ensinar, além de viverem em diversos contextos sociais, econômicos e culturais.

Com a inserção deste segundo professor, supõe-se que ele, em conjunto com o professor regente, propiciará um ambiente de aprendizagem que dialogue com as demandas dos alunos que possui deficiência, transtornos globais do desenvolvimento ou altas habilidades/superdotação. Todavia, Mittler (2003) menciona em seus estudos a existência de um desequilíbrio de professores quando tem que exercer a cooperação da docência, principalmente por não terem vivenciado essa experiência no processo de formação inicial ou continuada:

é uma experiência nova para a maioria dos professores nas escolas regulares e para qual esses profissionais talvez não estejam preparados [...] pode ser, no mínimo desconcertante, criar desiquilíbrio para o professor e, na pior das hipóteses, tornar-se uma ameaça permanente para sua autonomia. (MITTLER, 2003, p.72).

A professora especialista que atua como bidocente, durante a entrevista não mencionou essa falta de preparo ou desequilíbrio na sua relação com o professor regente, mas considerou que sua presença no espaço escolar juntamente com as crianças e o docente alcançaram:

[...] um ambiente de autonomia. Espero que o P. e também a professora não dependa tanto das minhas intervenções. Vou mostrando alguns caminhos, ensinando algumas metodologias para alcançar a criança e todo o grupo de alunos, aos poucos vou saindo de cena, isto é garantir a bidocência, quando precisa de mim estou ali, ou até quando eu não estiver à semente foi plantada, como aconteceu com a professora que trabalhou comigo no meu primeiro ano aqui no [nome da escola], hoje ela tem um olhar inclusivo (ENTREVISTA, JULHO DE 2018).   

Ao pesquisar as atribuições de um professor especialista que trabalha como bidocente no cotidiano escolar e a maneira que se dá a formação para atender alunos da Educação Especial em turmas regulares, conforme a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva estabeleceu como prioridade a oferta de Atendimento Educacional Especializado (AEE), sendo este complementar ou suplementar (BRASIL, 2008).

Segundo as Diretrizes Operacionais para o Atendimento Educacional Especializado na Educação Básica, a modalidade Educação Especial tem como função:

complementar a formação do aluno por meio da disponibilização de serviços, recursos de acessibilidade e estratégias que eliminem as barreiras para sua plena participação na sociedade e desenvolvimento de sua aprendizagem. [...] consideram-se recursos de acessibilidade na educação aqueles que asseguram condições de acesso ao currículo dos alunos com deficiência ou mobilidade reduzida, promovendo a utilização de materiais didáticos e pedagógicos, dos espaços, dos mobiliários e equipamentos, dos sistemas de comunicação e informação, dos transportes e dos demais serviços (BRASIL, 2013, p. 302).  

O mesmo documento ressalta que aqueles que pretendem atuar no AEE devem ter formação inicial que o habilite para o exercício da docência e formação específica para a Educação Especial. Esta formação seria dada aos docentes nos cursos de especializações e suas atribuições podem assim ser elencadas:

I – identificar, elaborar, produzir e organizar serviços, recursos pedagógicos, de acessibilidade e estratégias considerando as necessidades específicas dos alunos público-alvo da Educação Especial; II – elaborar e executar plano de Atendimento Educacional Especializado, avaliando a funcionalidade e a aplicabilidade dos recursos pedagógicos e de acessibilidade; III – organizar o tipo e o número de atendimentos aos alunos na sala de recursos multifuncionais; IV – acompanhar a funcionalidade e a aplicabilidade dos recursos pedagógicos e de acessibilidade na sala de aula comum do ensino regular, bem como em outros ambientes da escola; V – estabelecer parcerias com as áreas intersetoriais na elaboração de estratégias e na disponibilização de recursos de acessibilidade; VI – orientar professores e famílias sobre os recursos pedagógicos e de acessibilidade utilizados pelo aluno; VII – ensinar e usar a tecnologia assistiva de forma a ampliar habilidades funcionais dos alunos, promovendo autonomia e participação; VIII – estabelecer articulação com os professores da sala de aula comum, visando à disponibilização dos serviços, dos recursos pedagógicos e de acessibilidade e das estratégias que promovem a participação dos alunos nas atividades escolares (BRASIL, 2013, p.304, GRIFOS NOSSOS).

Ao mencionar que este professor deve elaborar, organizar estratégias para que os alunos público-alvo da Educação Especial aprendam, buscando estabelecer articulação com o professor regente, é necessário ser aqui elucidado que a escolha de atividades lúdicas são importantes para o processo de ensino-aprendizagem, principalmente dentre aqueles que possuem alguma deficiência, problemas na aprendizagem e indisciplina no ambiente escolar (MAIA, 2014). Chamamos de atividades lúdicas “jogos, brinquedos, brincadeiras e outras atividades que remete aquele que brinca” (AGUIAR; VIEIRA; MAIA, 2018, p.4). Elas favorecem a construção de vínculos entre professores e alunos, ajudam na implementação de propostas inclusivas que priorizam a subjetividade de cada sujeito, minimizando qualquer tipo de exclusão, além de proporcionar a cada ser brincante o desenvolvimento de suas competências e habilidades nos aspectos cognitivos, afetivos e sociais, como postulou Silva (2010).

Diante das atribuições legais e formativas, para que haja a possibilidade do processo inclusivo seja de fato instaurado, pode-se interpretar a importância da inserção de um professor especialista que atua como bidocente no espaço escolar, pois seu trabalho vai acontecer para além do atendimento em sala de recursos multifuncionais. Nas legislações educacionais em âmbito nacional como Lei Diretrizes e Bases da Educação (1996), Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Básica (2013) e Lei Brasileira de Inclusão (2015)  não propõe a criação de um cargo profissional que exerça a função de um bidocente. Porém, ao se pesquisar nas políticas das secretarias de educação com ênfase na esfera dos estados brasileiros, encontra-se, no estado de Santa Catarina, uma única Resolução que fixa normas para a Educação Especial em seu sistema estadual de Educação determinando que: “Segundo Professor em Turma – professor com habilitação em Educação Especial – área 5 (cinco) que atua com o professor regente nas turmas onde exista matrícula de educandos, de que trata esta resolução, que requeiram dois professores na turma” (SANTA CATARINA, item IV, 2006).

A secretaria de Estado da Educação e a Fundação Catarinense de Educação Especial elaboraram as especificidades atribuídas a este segundo professor:

co-reger a classe em parceria com o professor titular, contribuindo com a proposição de estratégias diferenciadas para qualificar a prática pedagógica, devendo acompanhar o processo de ensino e aprendizagem de todos os educandos, junto com o professor titular, não definindo objetivos funcionais para uns e acadêmicos para outros. (SANTA CATARINA, 2006, p. 7)

Nesta perspectiva, o planejamento deve ser elaborado por ambos professores, não havendo distinção entre o segundo professor e o professor regente. Estes são docentes da turma como um todo, tendo como finalidade criar estratégias de ensino, minimizando as barreiras na aprendizagem, para que as crianças, alunos, adolescentes, jovens e adultos aprendam de forma significativa. A professora, sujeito deste estudo, admite que, desde a sua inserção na instituição, depara-se com especificidades em relação à deficiência dos alunos que atende, mas a parceria com o professor regente tem, de fato, efetivado a inclusão e contribuído para formação do professor regente, principalmente ao afirmar: “é um trabalho intensivo, em fazer as adaptações metodológicas para que o aluno que possui deficiência cerebral aprenda, a regente também aprende o que é comunicação alternativa” (ENTREVISTA, JULHO DE 2018). Nesta relação há um binômio, que é bidocência, professor regente-professor de séries iniciais do ensino fundamental/Educação especial, ambos são docentes que aprendam e ensinam, logo, se constrói de fato uma bidocência, assim caracterizada também na instituição federal de ensino aqui pesquisada, quando contrata um professor das séries iniciais/Educação Especial. Conforme o primeiro edital, publicado em fevereiro de 2017, o professor para o cargo em questão deve atender os seguintes requisitos:

a) ser aprovado e classificado no processo seletivo;

b) não possuir contrato nos termos da Lei no. 8.745/93, com exclusão inferior a vinte e quatro meses;

c) não ser ocupante de cargo efetivo da carreira do magistério, de que trata a Lei no. 7.596/87;

d) se servidor de nível superior da administração direta ou indireta da União, dos Estados e dos Municípios, bem como empregados de suas subsidiárias ou controladas, comprovar formalmente a compatibilidade de horários;

e) ser brasileiro ou estrangeiro portador do visto permanente;

f) ter idade mínima de 18 anos completos;

g) gozar dos direitos políticos;

h) estar quite com as obrigações eleitorais e militares;

i) ser portador de habilitação em curso de licenciatura plena para a disciplina posta em seleção [Séries Iniciais do Ensino Fundamental/Educação Especial]

Ao perguntar à docente qual é a sua formação, responde que é “Pedagoga, Psicopedagogia, Psicomotricista e Especialista em Educação Especial e Inclusiva” (ENTREVISTA, JULHO DE 2018). Neste caso, a formação da especialista dialoga com um dos pré-requisitos do edital. Entretanto, tal documento não expressa que atuação deste profissional será como bidocente em parceria com os professores regentes. A entrevistada expôs ao pesquisador que descobriu que seria bidocência após a sua aprovação no contrato via concurso público, em uma das primeiras reuniões com a equipe de professores juntamente com a coordenação. A mesma expõe que:

A proposta de bidocência no [...] foi implementada para dar um suporte aos professores regentes nas turmas com alunos com deficiência.

Pesquisador: O que seria esse suporte?

Atualmente, a proposta é assegurar a assistência a todos os alunos da turma que apresentam uma necessidade específica de aprendizagem. Em relação à mediação dos alunos e adaptação dos materiais didáticos.

Pesquisador: Então, o atendimento é para todos e não para um único aluno?

A proposta atual, sim. Com ênfase no aluno que demanda maiores intervenções.

Pesquisador: Como quais?

Alunos com deficiência e transtornos do Espectro Austista – TEA. 

Pesquisador: Neste caso, não é uma proposta para todos?

É sim! Porque a sua atuação não se restringe a um aluno. Por vezes a mediação com o aluno especial, é realizada pela professora regente. E a professora de educação especial, atende a turma ministrando a aula com um olhar diferenciado por ter um enfoque inclusivo. Utilizando técnicas e/ou métodos q são facilitadores para a aprendizagem.

Pesquisador: Quais técnicas e métodos?

No meu caso específico minha intervenção se faz com todos os alunos que apresentam alguma dificuldade de não aprender diante de metodologias convencionais.

Pesquisador: Metodologias?

Metodologias e recursos didáticos que atendem alunos com deficiência para todos facilitando o processo de aprendizagem, com atividades lúdicas, materiais táteis e visuais, propostas psicomotoras envolvendo jogos, brinquedos e brincadeiras, com muita literatura infantil, buscando relacionar ao universo infantil levando em consideração a realidade da turma e da criança (ENTREVISTA, JULHO DE 2018).

Incluir alunos da Educação Especial ainda é um desafio para as escolas no mundo contemporâneo, e de fato a inclusão acontece quando a escola garante o acesso e a permanência desses alunos no cotidiano escolar, favorecendo um espaço onde professores também se sintam incluídos nesse processo. As metodologias elencadas pela professora dialogam com o que é estudado no Grupo de Pesquisa Criar e Brincar (LUPEA), coordenado por um dos autores deste estudo, na questão de o lúdico ser um fator de proporcionar inclusão em processos muitas vezes excludentes.

Alguns estranhamentos veem à tona quando, diante das legislações aqui já citadas, se percebe que não há vagas destinadas a pessoas com deficiência, mesmo se sabendo que as escolas deveriam matriculá-los em seus sistemas de ensino (BRASIL, 2008, 1996). Outro tom dissonante do quadro descrito pela legislação é o silenciamento do desconforto docente diante do processo inclusivo devido ao fato de não se sentirem preparados para lidar com as especificidades de cada deficiência ou transtorno: eles são ‘estranhos’, ‘anormais’ e ‘doentes’. Por não existir de fato uma preparação para serem professores que lidem com deficiências e barreiras na aprendizagem, esse desconforto não é falado e não é acolhido pelo sistema de Educação e formação de docentes. Com base no depoimento da entrevistada, os alunos com deficiência se tornam visíveis somente quando eles estão inseridos neste espaço e, somente desta maneira, as escolas começam a pensar em uma proposta inclusiva, como aconteceu na própria instituição onde ela atua, que buscou contratar uma profissional especializada quando se depararam com demandas que antes não eram postas.

A inclusão, como a própria docente entrevistada destacou, é para todos, não se restringe a um único aluno, seu papel é a propiciar um espaço de aprendizagem para qualquer indivíduo. Tal diálogo articula com os estudos de Camargo (2017, 2016) por compreender que inclusão envolve alunos com deficiência, aqueles que são público-alvo da Educação Especial e também os sujeitos que estão envolvidos no ato de ensinar e aprender: o ser humano. Incluir é mais que criar espaços físicos acessíveis à pessoa com deficiência. Contratar um professor de Educação Especial, mesmo sabendo de sua importância, é “uma prática social que se aplica no trabalho, na arquitetura, no lazer, na educação, na cultura, mas, principalmente, na atitude de perceber das coisas de si e do outrem” (CAMARGO, 2017, p.1). Sendo assim:

Inclusão não é a proposta de um estado ao qual se quer chegar. Também não se resume na simples inserção de pessoas deficientes no mundo do qual têm sido geralmente privados. Inclusão é um processo que reitera princípios democráticos de participação social plena. Neste sentido, a inclusão [...] é uma luta [...] presente em todas as áreas da vida humana [...] Inclusão refere-se [...] a todos os esforços no sentido de garantia de participação máxima de qualquer cidadão em qualquer arena da sociedade [...] (SANTOS, 2003, p.81)

Para todos esses esforços e garantia de participação daquele que está no espaço escolar, a entrevistada relata que juntamente com a professora regente, buscam metodologias, recursos didáticos, atividades envolvendo diversas áreas curriculares para que todos consigam aprender, onde a realidade de cada aluno contribui para obter o sucesso na aprendizagem. Todavia, inclusão escolar:

[...] é um termo que compreende garantir a educação para todos, sabendo que a Educação Especial é uma parte desse todo. Compreendo que devido a falta de uma estrutura das escolas e a formação de professores não voltadas para a diversidade a inclusão efetiva ainda não ocorre. [...] O grande desafio é incluir todos. O grande desafio é educar para a diversidade (ENTREVISTA, JULHO DE 2018).

A professora das séries iniciais do Ensino Fundamental/ Educação Especial ao expressar que a inclusão é para todos, compreende que abrange qualquer ser humano, e com a sua inserção no cotidiano de uma escola busca atender as especificidades de cada aluno, assumindo desta maneira, uma educação inclusiva que ultrapassa os limites físicos, sociais e intelectuais, onde eles são potenciadores para um ensino interdisciplinar, intercultural (CAMARGO, 2017, 2016; SANTOS, 2008, 2003).

Entretanto, a professora dialoga com as políticas educacionais na perspectiva da Educação Inclusiva ao propor que a inclusão acontece quando também os cursos de formação docente buscam “discutir a educação especial, construção de um currículo inclusivo e avaliação inclusiva” (ENTREVISTA, JULHO DE 2018). Tal relato possui relação com a Política Nacional da Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (2008). Por outro lado, cabe mencionar que com o profissional que atua como bidocente e a inserção de crianças com deficiência, os currículos começam ser reavaliados, os processos avaliativos, metodológicos e a função da escola passa por mudanças como aconteceu na instituição que implementou o cargo de professor de Educação Especial.

A professora das series inicias do Ensino Fundamental/ Educação Especial continuou seu depoimento:

Contudo, um profissional não representa o processo inclusivo, visto que ele pode iniciar um movimento na escola para promover uma cultura inclusiva e aos poucos procurar sensibilizar toda a comunidade escolar. Porque estamos vivendo uma quebra de paradigma. Quando não há o especialista em educação especial [...] o professor regente precisa buscar leituras e uma formação continuada para atender as demandas presentes em sua sala de aula. [...] É difícil falar sobre esta realidade, visto que cada professor e cada instituição tem um olhar para este movimento de inclusão escolar. [...] A maioria das escolas veem a inclusão como a matrícula do aluno para sua socialização. A inclusão só é efetiva quando existe a equiparação das oportunidades para promover a aprendizagem [...] (ENTREVISTA, JULHO DE 2018, GRIFOS NOSSOS).

Neste relato fica evidente a inclusão para além da inserção de um professor de Educação Especial, principalmente as escolas que não iniciaram o processo de contratação de profissionais especialistas para atendimento educacional especializado como previsto nas legislações educacionais (BRASIL, 2013, 2008, 1996), completando a formação do aluno com deficiência proporcionando acessibilidade eliminando as barreiras no processo de ensino e aprendizagem a fim de garantir condições de acesso à cultura, educação e socialização (BRASIL, 2013). A entrevistada, ao descrever este limite, propõe outras possibilidades para implementação de uma educação inclusiva, quando este docente torna-se um professor pesquisador, que busca leituras, cursos de formação continuada para entender as demandas de seus alunos. Acredita-se que este movimento de auto-formação também é um movimento inclusivo, caracterizando a inclusão como um processo que vai para além de um profissional habilitado para exercer tal função, mas de um olhar de todos diante de um processo.

Em continuidade sobre a atuação do docente que trabalha com base em uma proposta de bidocência, a professora aponta a existência de uma preocupação sua diante do processo seletivo do qual fez parte, sendo o mesmo temporário: “a minha saída, meu contrato chega ao fim, não sabemos quando chegará um professor efetivo com esse olhar para as questões da inclusão” (ENTREVISTA, JULHO DE 2018). Na mesma perspectiva salienta que no ano de 2017 até o primeiro semestre de 2018, os alunos atendidos por ela conseguiram

desenvolver mais autonomia e independência, ambos elevaram a sua autoestima, são respeitados com sua limitação onde a própria turma sabe o que é uma postura inclusiva, não só com os alunos da educação especial, mas entre em si, auxiliando uns aos outros nas atividades, pois eles aprenderam junto. [...] O que me preocupa é a quebra de um trabalho construído neste período, pois com a saída de uma professora, como aconteceu com a regente que não seguiu com a turma, [...] o emocional das crianças fica abalado. E nesse trabalho de bidocência é preciso de tempo para criar novos vínculos (ENTREVISTA, JULHO DE 2018).

Para além das legislações educacionais, a vivência de um processo inclusivo garantiu que os sujeitos (alunos e professores) reconhecessem as suas especificidades, sendo estas potenciais para aprendizagem de todos. Deste modo, a inclusão acontece por ter profissionais abertos a pensar em propostas inclusivas, reconhecendo-as como um processo contínuo e diário, portanto a quebra de vínculo e falta de profissionais preparados para esta cultura inclusiva marca limites preocupantes nesta bidocência.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conclui-se com este estudo, o quanto é fundamental a inserção de um profissional com saberes e experiências no campo da Educação Especial que dialoga com a perspectiva da Educação Inclusiva no espaço educacional, no sentido de tornar o cotidiano escolar inclusivo para todos. Mas igualmente ficou marcado na análise dos dados que além deste profissional especialista, há a necessidade de se construir um o olhar de cuidado e de busca, dentro do possível, de uma formação continuada. O assumir-se pesquisador e docente faz com que igualmente haja a construção de uma reavaliação constante do fazer docente, e a prevalência da manutenção de um ambiente inclusivo.

 A proposta de bidocência ainda não se tornou uma política nacional, mas as instituições de ensino que propõem a contração de uma docência co-participativa, cooperativa precisam avançar nas delimitações em seus editais de contratação como foi possível perceber no relato da professora entrevistada e na análise do edital do cargo para professor das séries iniciais do ensino fundamental/ Educação Especial. Há a necessidade de haver claras articulações entre as duas instâncias. Esse é um dos limites que se evidencia entre a análise dos documentos legais e a institucionalização do profissional.

Para este estudo igualmente fica claro que deve o sistema educacional adotar a bidocência ter como parâmetro a não contratação de professores temporários como norma de edital, já que pelos estudos e pesquisas dos autores deste artigo comprova-se que um ambiente suficientemente bom é aquele que proporciona ao sujeito humano estabilidade, confiança e credulidade. A mudança de professores que atuam como bidocentes a cada fim de contrato vai contra qualquer continuidade de processos de ensino-aprendizagem inclusivos, além de contribuir para precarização da formação docente. Nessa perspectiva, defender uma educação inclusiva é reconhecê-la como um processo, vive-se o mesmo e, deste modo, será possível se alcançar uma educação para todos e para diversidade. 

REFERÊNCIAS

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[1] Mestre e Doutorando em Educação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). E-mail: escritorjonathan@gmail.com

[2] Docente do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). E-mail: mariavitoriamaia@ufrj.br