LETRAMENTO DE SURDOS: O PROCESSO SEMIÓTICO DA LINGUAGEM VISUAL ATRAVÉS DO PROJETO DE LETRAMENTO “LAVAGEM DAS MÃOS”

LETTER OF DEAF: THE SEMIOTIC PROCESS VISUAL LANGUAGE THROUGH THE DESIGN OF LETTER "WASHING OF HANDS"

Larissa Dantas de LIMA[1] | Elizandra de Lima Silva BASTOS[2]

RESUMO: Este artigo objetiva analisar a linguagem visual no processo de letramento em estudantes de uma escola especializada para surdos da cidade de Manaus e concentrou-se na fase inicial do processo de letramento, contando com a participação de 10 alunos, com a faixa etária entre 8 - 14 anos, cursando o 1ª e 2ª ciclos, em uma intervenção que utilizou duas aulas. Embasado a partir dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) no eixo saúde, com o conteúdo higiene corporal foi selecionado o tema gerador “Lavagem das mãos”. A pesquisa apresenta como metodologia o caráter bibliográfico-qualitativo, tendo como aporte teórico Vygotsky, Paulo Freire e Santaella. Foram elaborados materiais palpáveis, e, durante a intervenção, sensibilização através de material midiático e rodas de conversa sobre o tema gerador, dinâmicas e lavagem das mãos. Todo o processo contou com a observação das pesquisadoras para cumprir o objetivo proposto. À luz da semiótica, o letramento visual precede à escrita, pois a gama de experiências vivenciadas pelo sujeito em seu contato e desenvolvimento social é o que inicia tal processo e culminará nas suas práticas sociais cotidianas. Os resultados obtidos confirmam que, para os alunos surdos, é imprescindível o letramento visual para o desenvolvimento de sua aprendizagem significativa.

Palavras-Chave: Surdez. Linguagem. Letramento.

ABSTRACT: This article aims to analyze the visual language in the process of literacy in students of a specialized school for the deaf in the city of Manaus and focused on the initial phase of the literacy process, with the participation of 10 students, aged 8 - 14 years old, attending the 1st and 2nd cycles, in an intervention that used two classes. Based on the National Curricular Parameters - PCNs in the health axis, with the body hygiene content was selected the theme "Washing of the hands". The research presents as methodology the bibliographical-qualitative character, having as theoretical contribution Vygotsky, Paulo Freire and Santaella. Palpable materials were elaborated and, during the intervention, sensitization through media material and group chats on the theme, dynamics and handwashing. The whole process counted on the observation of the researchers to fulfill the proposed objective. In the light of semiotics, visual literacy precedes writing, since the range of experienced experiences by the subject in his contact and social development is what initiates this process and culminates in his everyday social practices. The results confirm that, for deaf students, visual literacy is essential for the development of their meaningful learning.

Keywords: Deafness. Language. Literacy.

Recebido em: 05/01/2018

Reformulado em: 21/03/2018

Aprovado em: 01/08/2018


INTRODUÇÃO

A educação de surdos é uma temática que  tem sido discutida nas interfaces da educação inclusiva e educação bilíngue, visto que as diretrizes da política nacional de educação especial na perspectiva da educação inclusiva discorre que

[...] o atendimento educacional especializado identifica, elabora e organiza recursos pedagógicos e de acessibilidade que eliminem as barreiras para a plena participação dos alunos, considerando as suas necessidades específicas. As atividades desenvolvidas no atendimento educacional especializado diferenciam-se daquelas realizadas na sala de aula comum. (BRASIL, 2008, p.16).

Quanto aos alunos surdos em escolas comuns entende-se por barreira, como citado acima, a barreira linguística enfrentada pelos mesmos e o não acesso a educação completa pelo fato de não estarem em seus pares linguísticos e culturais, pois as aulas são ministradas na língua majoritária e de prestígio da escola comum e não em sua língua alvo, no caso a língua de sinais, onde certamente o processo de aprendizagem seria de fato significativo.

Segundo a Convenção sobre o Direito das Pessoas com Deficiência em seu artigo 24º 3c, cita que é garantia de que a educação de pessoas, em particular crianças cegas, surdocegas e surdas, seja ministrada nas línguas e nos modos e meios de comunicação mais adequados ao indivíduo e em ambientes que favoreçam ao máximo seu desenvolvimento acadêmico e social (BRASIL, 2012, p.50).

No período de 2001 a 2011, o Professor da Universidade de São Paulo (USP), Fernando Capovilla através da pesquisa intitulada Programa de Avaliação Nacional do Desenvolvimento Escolar do Surdo Brasileiro (Pandesb), com apoio de Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), considerado um dos maiores estudos surdos do mundo, descobriu que a política de inclusão, embora benéfica ao deficiente auditivo, é nociva ao surdo, e que este se desenvolve mais e melhor em escolas específicas para surdos no caldo de cultura de Libras, e sob ensino e acompanhamento de professores proficientes em Libras, como veículo principal de ensino-aprendizagem do Português e de outras disciplinas (CAPOVILLA, 2009).

O processo de letramento em seu viés social precede a escrita (FREIRE, 1997), haja vista que diversas são as pesquisas que se embasam somente na prática discursiva da escrita, não aprofundando no quão determinante é o contato com a sociedade, resultando no seu desenvolvimento, pois a visão de mundo e a visão sobre si mesmo são construídas e cultivadas em ambiente social. 

Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), através dos temas transversais são de natureza diferente das áreas convencionais. Sua complexidade faz com que nenhuma área, isoladamente, seja suficiente para abordá-los. Ao contrário, a problemática dos temas transversais atravessa os diferentes campos do conhecimento (BRASIL, 2001, p.36) com o eixo em saúde abordado a partir da higiene corporal, através do projeto de letramento com a temática Lavagem das Mãos, sendo este utilizado como tema gerador é o fator que desencadeará a o tema da intervenção do estudo da pesquisa.

O tema gerador é exposto através de diálogos, visando o resgate histórico e as experiências vividas que será determinante para a compreensão do letramento como prática social, pois não se trata somente de experiências existenciais, mas as suas relações com o meio, como um sujeito crítico e reflexivo, Freire (2016) elucida que tal investigação se realiza por meio de uma metodologia conscientizadora, além de nos possibilitar sua apreensão, insere ou começa a inserir os homens numa forma crítica de pensarem o mundo.

O letramento visual do sujeito surdo possui uma intrínseca ligação com a semiótica e o enfoque no processo de interpretação e produção de significações, haja vista que o mesmo possui a visualidade como seu principal canal para o aprendizado, pois, segundo Ausubel, “a aprendizagem significativa é um processo pelo qual uma nova informação se relaciona com um aspecto relevante da estrutura de conhecimento do indivíduo.” (MOREIRA; MASINI, 2001 p.17).

A SEMIÓTICA NO PROCESSO DE APRENDIZAGEM SIGNIFICATIVA

A produção de significação e sentido se constitui a partir da linguagem, esse processo de interpretação e construção ocorre mediante as diversas formas de comunicação social. O campo dos estudos semióticos, segundo Santaella (2007), tem por objeto de investigação todas as linguagens possíveis, ou seja, que tem por objetivo o exame os modos de constituição de todo e qualquer fenômeno como fenômeno de produção de significação e de sentido. Seu campo de indagação é tão vasto que chega a cobrir a vida. 

A semiótica é conceituada como estudo dos signos e suas significações, sendo aplicada a áreas distintas resultará em diversos tipos de semióticas, tratando-se do processo de como compreendemos e interpretamos as produções de significações seja ele de cunho textual, imagético e até mesmo a comunicação através da Língua de Sinais. Pierce (2005) constitui o seu objeto de estudo a semiose e não o signo, ou seja, a semiose é a produção de significados, ou seja, o processo de formação de significação onde a semiose é a “ação de qualquer signo” e o signo é “qualquer coisa que age assim” (NÖTH, 1995, p. 66).

Signos possuem uma pluralidade de aplicações que podem ser objetos, um fato, um interpretante ou representante, lembrando que a linguagem é de natureza simbólica, seja ela verbal ou não verbal, pois para que a comunicação de fato aconteça se faz necessário o conhecimento de um código por ambas as partes inseridas no contexto comunicacional, pois a semiótica reflete em vista desses códigos.

Crianças surdas, especificamente nesta pesquisa, alunos surdos em processo de aquisição de Libras como primeira língua em uma escola especializada para surdos, necessitam do contato social em seus pares culturais, pois o ambiente linguístico e social se tornarão fatores determinantes para o tipo de sistema semiótico, fato este que possui influência quanto a construção da linguagem e do pensamento, a sua perspectiva de mundo.

Moreira e Masini (2001) discorrem quanto a aprendizagem significativa de David Ausubel, que a formação de conceitos em crianças é a aquisição espontânea de ideias genéricas por meio da experiência empírico-concreta. A vivência de tais experiências em diversos espaços sociais contribuirão para a possível ancoragem conceitual para novos aprendizados, na qual derivam outros significados nomeado por  Ausubel como conceitos subsunçores, incorporando de forma não arbitrária e não literal na estrutura cognitiva. (MOREIRA; MASINI, 2001 p.19).

A aquisição de conceitos, uso e vivência dos mesmo, ocorre mediante a um tipo de “efeito em cadeia”, uma rede de características determinantes que possuem seu início na cognição, conceituada por Ausubel como “o processo através do qual o mundo de significados tem origens, atribuindo-os a realidade em que se encontra, pois a aprendizagem é a integração do material na estrutura cognitiva.” (MOREIRA; MASINI, 2001 p.13)

Quanto ao percurso semiótico, neste caso, no aprendizado de alunos surdos e tendo como fonte de inspiração a identificação de um conjunto de métodos e procedimentos que visasse o desenvolvimento dos processos psicológicos no sujeito, neste caso cita-se a formação da consciência através de experiências de caráter social e cultural de Vygotsky (1998), que possui como senso as características históricas e sociais dos processos psicológicos superiores, cito os seres humanos por serem psicointelectuais superiores na qual se constituem de suas relações sociais e suas interações são alicerçadas através da mediação da linguagem.

A  formação do indivíduo dar-se- á pela mediação semiótica da linguagem. Em vista disso, o desempenho das atividades específicas da linguagem, bem como suas ações, condutas em determinados espaços, serão de acordo com os estímulos externos preponderantes, ou seja, os signos.

Em se tratando de crianças surdas a interação deverá realizar-se por meio da língua de sinais. É ela que vai possibilitar aos alunos surdos vivenciar práticas em que a escrita esteja envolvida, como contar histórias, relatar eventos vivenciados, entre outros, e vão construir, assim, seu conhecimento de escrita, em um processo muito semelhante ao observado em crianças ouvintes. (PEREIRA, 2006, p. 62.)

Como já exposto, as interações do sujeito surdo em sociedade através da língua de sinais é um fator determinante para seu aprendizado, as vivências de experiências lhe proporcionam uma gama de saberes, onde segundo Bernardino (2000, p. 29): [...] a língua é considerada importante via de acesso para o desenvolvimento do surdo em todas as esferas do conhecimento, propiciando não apenas a comunicação do surdo com o ouvinte, mas também com o surdo, desempenhando também a função de suporte do pensamento e de estimulador do desenvolvimento cognitivo e social [...].

O processo de simbolização é intrinsecamente ligado ao desenvolvimento humano, pois trata-se de um processo de compreender e interpretar os signos e assim poder utilizá-los para a construção ideias  pois, ambos são determinantes para Vygotsky (1998, p. 51) "a criança não deduz, de forma súbita e irrevogável, a relação entre o signo e o método de usá-lo".

LETRAMENTO COMO PRÁTICA SOCIAL E A  SURDEZ

Os escritos de Paulo Freire (1989) nos apontam para a utilização do conhecimento prévio como propulsor da leitura da palavra, pois           

A leitura do mundo precede sempre a leitura da palavra e a leitura desta implica a continuidade da leitura daquele. Na proposta a que me referi acima, este movimento do mundo à palavra e da palavra ao mundo está sempre presente. Movimento em que a palavra dita flui do mundo mesmo através da leitura que dele fazemos. De alguma maneira, porém, podemos ir mais longe e dizer que a leitura da palavra não é apenas precedida pela leitura do mundo mas por uma certa forma de "escrevê-lo" ou de "reescrevê-lo", quer dizer, de transformá-lo através de nossa prática consciente. (FREIRE 1989, p.13)

Dessa forma, a ‘leitura do mundo’ é condição sine qua non para a leitura da palavra, num movimento cíclico para que o conhecimento seja apreendido a fim de transformação do meio que se vive. Prover o ambiente escolar com a leitura que os alunos já trazem de suas experiências prévias resulta em momentos propícios à aprendizagem de novos conceitos.

O conceito de letramento, enraizado e naturalizado somente na prática da escrita, impulsionou esta pesquisa para outro viés, para o enfoque inicial no sujeito como um ser social, pois a autora Soares (2004, p. 47) define letramento como: “estado ou condição de quem não apenas sabe ler e escrever, mas cultiva e exerce as práticas sociais que usam a escrita”.

A prática social antecede a escrita, pois a gama de experiências vivenciadas pelo sujeito a partir de seu contato e desenvolvimento social faz parte e incita seu processo de letramento. Para Santaella (2012), o conceito de visual literacy (letramento, alfabetização ou alfabetismo visual), significaria que, para lermos uma imagem, deveríamos desenvolver a capacidade de desmembrá-la em partes, decodificá-la e mesmo interpretá-la, equivalente ao processo de leitura em voz alta, decifração de código e tradução.

Para que esse processo ocorra é preciso possibilitar tempo e espaço para que o sujeito possa facultar, codificar e decodificar as mensagens, neste caso, visuais, fato este, que está inerente às suas experiências perpassadas seja de forma coletiva ou individual, pois cada sujeito participante terá sua interpretação de mundo para escolhas, entendimentos que as leituras e a significação das imagens lhe proporcionaram através do seu meio social e cultural.

Segundo Reily (2003), a criança em contato inicial com a língua de sinais necessita de linguagem visual com a qual possa interagir para construir significados. O contato social possibilita uma relação de diálogos e desenvolvimentos que somente em tal âmbito coletivo possa ter resultados tão satisfatórios.

Destarte, a entidade escolar nada mais é do que um espaço social, da qual uma de suas responsabilidades é contribuir e motivar as formas em que as organizações sociais se encontram. Trata-se um espaço primordial para o letramento visual da criança surda como prática em seu sentido coletivo e individual.

Já dizia Freire (1997, p. 20) em sua carta aos professores: “De ler o mundo, de ler a palavra e assim ler a leitura do mundo anteriormente feita. Mas ler não é puro entretenimento nem tampouco um exercício de memorização mecânica de certos trechos do texto”. Ponderar sobre a leitura e fundamentar a noção de letramento em vista da própria linguagem, nos provoca cogitar que as crianças antes de serem alfabetizadas são letradas, pois possuem leitura de mundo e através de mediação é possível que haja o preparo de técnicas e procedimentos para desencadear a leitura e suas práticas verbais.

O letramento como prática social implica em participação ativa do indivíduo na sociedade, em uma perspectiva de igualdade social, em que grupos minoritários, geralmente discriminados por raça, sexo e condição social, também pudessem atuar diretamente pelo uso do conhecimento científico (Roth & Lee, 2004).

A fim de entrelaçar a aprendizagem significativa à leitura de mundo e letramento visual, recorremos à Tinoco (2010, p.199), quando sugere a utilização de projetos de letramento, os quais “[...] surgem de um interesse da vida real de estudantes e professores. Logo, o ponto de partida de um projeto de letramento é a prática social.”

PROJETO DE LETRAMENTO ATRAVÉS DO TEMA GERADOR LAVAGEM DAS MÃOS

Para adentrar na prática da experimentação com as crianças, se fez necessário um momento de diálogo, o qual propiciou esse resgate de experiências a partir do tema gerador, tendo o professor como mediador.Segundo Freire (2016 p.121), o momento deste buscar é o que inaugura o diálogo da educação como prática da liberdade. É o momento em que se realiza investigação do que chamamos de universo temático do povo ou o conjunto de seus temas geradores (...) e a tomada de consciência dos indivíduos em torno dos mesmos.

A prática social permite ao indivíduo surdo experiências, na qual através do tema gerador será feito um resgate para que o diálogo seja estabelecido, pois o uso da linguagem visual através do símbolo imagético utilizado com as crianças será para fins de um despertar representativo de vivências do seu cotidiano. Em virtude disso, “a constatação do tema gerador como uma concretização, é algo a que chegamos através não só da própria experiência existencial, mas também de uma reflexão crítica sobre as relações homem-mundo e homens-homens, implícitas nas primeiras”. (FREIRE 2016 p.122)

Tais relações sendo estabelecidas no espaço escolar permitem ao aluno se enxergar como um ser crítico e autor da sua própria história, para que reflita sobre suas relações sociais seja ela no espaço escolar, familiar ou em comunidade, reflexões estas que permitirão com que construções culturais e identitárias sejam formadas.

 O que nos assegura no decorrer da pesquisa são os Parâmetros Curriculares Nacionais- PCNs com o eixo em Saúde, na qual é a única fonte que será abordada sobre a temática lavagem das mãos, pois é disposto que apesar dessa longa tradição, apenas em 1971, a Lei no 5.692 “veio introduzir formalmente no currículo escolar a temática da saúde, sob a designação genérica de Programas de Saúde, com o objetivo de levar a criança e o adolescente ao desenvolvimento de hábitos saudáveis quanto à higiene pessoal pois os aluno tem dificuldade em aplicá-las às situações concretas de sua vida cotidiana (...)” (BRASIL, 1998 p. 258).

Ao iniciar sua vida escolar, a criança traz consigo a valoração de comportamentos relativos à saúde oriundos da família, de outros grupos de relação mais direta ou da mídia. Durante a infância e a adolescência, épocas decisivas na construção de condutas, a escola passa a assumir papel destacado por sua potencialidade para o desenvolvimento de um trabalho sistematizado e contínuo. Precisa, por isso, assumir explicitamente a responsabilidade pela educação para a saúde, já que a conformação de atitudes estará fortemente associada a valores que o professor e toda a comunidade escolar transmitirão inevitavelmente aos alunos durante o convívio cotidiano.  (BRASIL, 1998)

Por conseguinte, a lavagem das mãos como higiene corporal é uma prática que deve ser cultivada desde o início da vida da criança, visando a sua proteção para evitar qualquer tipo de doença viral ou bacteriana, pois, inúmeros microrganismos entram no corpo através das mãos, visto que as mãos estão constante contato com as superfícies na qual não se sabe o grau de contaminação e os malefícios que podem causar.

A higiene corporal é tratada como condição para a vida saudável. A aquisição de hábitos de higiene corporal tem início na infância, não sendo mais o enfoque principal no terceiro e quarto ciclos, pois espera-se que a prática autônoma desses cuidados já tenha sido incorporada ao cotidiano, na forma de rotinas, normas e atividades. Eventualmente, a discussão de questões relativas à higiene corporal deve ser retomada sempre que for sentida a necessidade. Busca-se, por meio do trabalho pedagógico, mobilizar os alunos para estabelecer relações entre as decisões pessoais de autocuidado e a qualidade do convívio social (BRASIL, 1998).

METODOLOGIA

Para analisar as questões levantadas, realizamos um estudo de natureza qualitativa, no entender de Prodanov e Freitas (2013), por permitir descrições de situações objetivando compreender os indivíduos em suas subjetividades, valendo-se, quanto aos procedimentos, de pesquisa bibliográfica e estudo de caso, utilizando-se da técnica de observação, para a geração de dados e fontes bibliográficas pertinentes ao tema.

A realização desta ocorreu em uma escola estadual especializada para surdos localizada na cidade de Manaus, com total de 10 alunos participantes, com idade entre 8 e 14 anos, matriculados nos I e II Ciclo do Ensino Fundamental.  Duas aulas, com duração de 50 minutos, foram utilizadas para a aplicação do projeto de letramento, através do tema gerador: “Lavagem das Mãos”.

Para exercer a pesquisa, aliando os pressupostos da semiótica e de letramentos, primeiramente houve a elaboração do material palpável com EVA, em formato de mão e, como material complementar, a produção de bactérias e germes com o mesmo material, onde foram presas com velcro, pretendendo despertar o lúdico e o imaginário das crianças.

Figura 1: Material palpável elaborado para aplicação na escola.

 

 

 

 

 

 

 

Fonte: Autoras

Na aplicação da prática na escola especializada, primeiramente dispomos de momentos como roda de conversa sobre o brincar e suas práticas no cotidiano para que envolvessem os alunos em um diálogo a respeito das experiências vividas pelos mesmos à luz do tema gerador “Lavagem das mãos”.

A sensibilização ocorreu através de material midiático “Lavar as Mãos- Castelo Rá-Tim-Bum de Arnaldo Antunes[3]”, o vídeo foi escolhido tendo em vista a característica idade como um primordial grau de semelhança dos protagonistas e os escolares. Após a exibição do vídeo, os alunos se mostraram interessados e envolvidos com a temática abordada, pois relataram suas experiências de práticas orientadas pelos pais para as crianças.

Figura 2: Momento de sensibilização e diálogo através do material midiático

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Fonte: Autoras

Logo após esse momento, partimos para a dinâmica com o material produzido, na qual foram distribuídos as bactérias e germes em EVA para que os alunos pudessem interagir e grudar com velcro na mão composta do mesmo material, entretanto, houve um fato curioso a ser ponderado: alguns dos escolares que, ainda se encontravam em processo de aquisição da língua de sinais, identificaram, através da representatividade do material palpável, que suas próprias mãos poderiam ser alvo de bactérias e germes, assim  fixaram  o que compreenderam serem esses organismos, em suas próprias mãos e não no material a ser exposto pelas pesquisadoras.

Figura 3: Dinâmica com o material

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Fonte: Autoras

Notamos o aprendizado significativo através do letramento visual que pode ser permitido aos alunos, pois a aquisição de linguagem é de suma importância para o acarretamento de experiências sociais. Para crianças surdas a visualidade é o seu meio de aprendizado e o uso de representações imagéticas de seu cotidiano lhes propicia resgates históricos, pois se sentem parte do meio.

Em vista do exposto, foi abordado um diálogo sobre a composição do material e seu contraste com as experiências, assim, foi lançado o convite para a lavagem das mãos no espaço da escola. Os alunos receberam barrinhas de sabão e papel toalha e se mostraram ansiosos e motivados para continuar participando da atividade.

Figura 4: Prática de lavagem das mãos no espaço escolar.

                      

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Fonte: Autoras.

Com o fim do processo, percebemos na fisionomia dos alunos o transparecer de satisfação com o saber recém adquirido, pois haviam aprendido de forma significativa, partindo da visualidade internalizaram o conhecimento vivenciado.  Outro fator relevante que podemos mencionar é que, como parte de sua autoavaliação, alguns alunos tiveram a iniciativa de cheirar suas mãos a fim de comprovar a higienização, ato que foi compartilhado por todos, e para a confirmação da fixação do conhecimento, pediram que as aplicadoras da atividade também as cheirassem.

RESULTADOS E DISCUSSÕES

A partir das observações realizadas enquanto se aplicavam as aulas e a pesquisa bibliográfica referente aos pressupostos da semiótica e dos letramentos, podemos tecer algumas considerações a respeito do letramento visual de alunos surdos, através das produções de significados.

Conforme descrito acima, ao assistirem o vídeo, os alunos tiveram duas reações de proximidade: primeiro, em relação às personagens, por haver uma correspondência etária, e pelo fato de já terem tido acesso ao vídeo em suas vivências, demonstrando que o conhecimento de mundo é fundamental na contextualização dos processos de letramentos. Isso nos permite dizer que, aplicando os conhecimentos de seu cotidiano às informações recebidas na escola, os alunos são capazes de transformar o meio em que vivem, fazendo uma (re)leitura de mundo, ou seja,  “[...] ‘a leitura’ que precede a leitura da palavra e que perseguindo igualmente a compreensão do objetivo se faz no domínio da cotidianidade.” (FREIRE, 2002, p 30).

Durante o período em que os alunos puderam visualizar uma parte de seu corpo em forma ampliada, pudemos notar que um aluno colocou sua própria mão em cima do material em EVA que também tinha o formato de mão, internalizando, através do visual, que, assim como bactérias e germes reproduzidos poderiam ser fixados na figura em EVA, as bactérias e germes reais também poderiam se alojar em sua própria mão. Assim, houve a internalização dos conceitos de forma visual, ou seja, a produção de significação dos signos apresentado e associado a experiências passadas vivenciadas pelos mesmos, confirmando o que afirma Pierce, comentado por Santaella (2000), que  um signo, sob certo aspecto, representa algo para alguém.

Houve, dentro de sala, interação entre os alunos questionando-se sobre a limpeza de suas mãos uns dos outros, na afirmação de que estavam sem impurezas nãos mãos, eram questionados pelo outros sobre como tinham certeza de que não havia germes e bactérias que não conseguiriam ver. No momento da lavagem das mãos, houve até mesmo uma disputa sobre uma lavagem melhor executada, pois estariam sem a presença dos temidos germes e bactérias. Podemos notar que houve uma aprendizagem significativa, pois os alunos ampliaram seus conhecimentos a partir da vivência, da experienciação.

A utilização do tema gerador, através do projeto de letramento “Lavagem das Mãos” foi acompanhada por alguns professores que também observaram o interesse e motivação dos alunos ao participarem de um tempo de aprendizagem que pareceu agradável tanto para as que conduziam como para os alunos. A constatação da aprendizagem pelos alunos trouxe aos professores o despertar para práticas diferenciadas, para o uso das experiências vivenciadas fora do ambiente escolar e com temáticas que fazem parte da vida dos educandos, ou seja, práticas sociais de interesses comuns.

Projetos de letramentos aliados aos Parâmetros Curriculares Nacionais podem ser ferramentas de auxílio para os professores no processo ensino-aprendizagem, trazendo para a sala de aula, as vivências, experiências, práticas que os alunos, às vezes, consideram que não fazerem parte do saber. Cabe ao professor, portanto, promover ao aluno a reflexão de que suas vivências também fazem parte do conhecimento e que a visualidade, principalmente para o aluno surdo, contribui para a produção de significados, modificando o meio em que estão inseridos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em vista do exposto, diversas são formas que podem ser abordadas para o letramento do aluno surdo. Com este estudo, objetivamos analisar como o uso da linguagem visual auxilia no processo de letramento do estudante surdo. A semiótica como prática de letramento visual foi um grande fator de desencadeamento do processo, pois se tornou facilitadora em concomitância com o tema gerador.

A aplicação do projeto de letramento foi concluída com resultados satisfatórios, pois com a temática lavagem das mãos e o retorno positivo dos alunos com a pesquisa, motivou a direção da escola que se mostrou propícia a implementar  projetos de letramentos como prática da escola com os escolares, propiciando que os professores tenham uma busca contínua para alinhar o conhecimento teórico às práticas sociais dos alunos.

Este estudo aponta, portanto, a importância de experiências de projetos de letramentos na formação dos professores que trabalham com os alunos surdos, pois ao utilizarem-se dos pressupostos teóricos da semiótica, letramento visual e aprendizagem significativa podem auxiliar seus alunos a expandirem seus conhecimentos e se tornarem autônomos na sua aprendizagem.

O processo de letramento se dá ao longo da vida do sujeito, nas diversas pesquisas somente a prática escrita é visada como primordial, entretanto, percebemos que o letramento visual a partir do tema gerador como prática social é o que pode influenciar positivamente o desenvolvimento do processo de letramento do aluno surdo.

Esperamos que as considerações tecidas nesta pesquisa possam contribuir para reflexões de profissionais que atuam na educação de alunos surdos a fim de que inquietações sejam formadas e pesquisas sejam realizadas para o aprimoramento educacional de estudantes surdos.

REFERÊNCIAS

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[1] Graduanda do curso de Letras-Libras da Faculdade de Letras (FLET) da Universidade Federal do Amazonas (UFAM). E-mail: larissadantas.lima.pj@gmail.com

[2] Docente do curso de Letras-Libras da Faculdade de Letras (FLET) da Universidade Federal do Amazonas (UFAM). E-mail: elizandralima@gmail.com

[3] Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=LwhW7Uw7Fp8