LETRAMENTO
DE SURDOS: O PROCESSO SEMIÓTICO DA LINGUAGEM VISUAL ATRAVÉS DO PROJETO DE
LETRAMENTO “LAVAGEM DAS MÃOS”
LETTER OF DEAF: THE SEMIOTIC PROCESS VISUAL LANGUAGE
THROUGH THE DESIGN OF LETTER "WASHING OF HANDS"
Larissa
Dantas de LIMA[1]
| Elizandra de Lima Silva BASTOS[2]
RESUMO: Este artigo objetiva
analisar a linguagem visual no processo de letramento em estudantes de uma
escola especializada para surdos da cidade de Manaus e concentrou-se na fase
inicial do processo de letramento, contando com a participação de 10 alunos,
com a faixa etária entre 8 - 14 anos, cursando o 1ª e 2ª ciclos, em uma
intervenção que utilizou duas aulas. Embasado a partir dos Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCNs) no eixo saúde, com o
conteúdo higiene corporal foi selecionado o tema gerador “Lavagem das mãos”. A
pesquisa apresenta como metodologia o caráter bibliográfico-qualitativo,
tendo como aporte teórico Vygotsky, Paulo Freire e Santaella. Foram elaborados materiais palpáveis, e, durante
a intervenção, sensibilização através de material midiático e rodas de conversa
sobre o tema gerador, dinâmicas e lavagem das mãos. Todo o processo contou com
a observação das pesquisadoras para cumprir o objetivo proposto. À luz da
semiótica, o letramento visual precede à escrita, pois a gama de experiências
vivenciadas pelo sujeito em seu contato e desenvolvimento social é o que inicia
tal processo e culminará nas suas práticas sociais cotidianas. Os resultados
obtidos confirmam que, para os alunos surdos, é imprescindível o letramento
visual para o desenvolvimento de sua aprendizagem significativa.
Palavras-Chave: Surdez. Linguagem.
Letramento.
ABSTRACT: This article aims to analyze the visual language in
the process of literacy in students of a specialized school for the deaf in the
city of Manaus and focused on the initial phase of the literacy process, with
the participation of 10 students, aged 8 - 14 years old, attending the 1st and
2nd cycles, in an intervention that used two classes. Based on the National
Curricular Parameters - PCNs in the health axis, with the body hygiene content
was selected the theme "Washing of the hands". The research presents
as methodology the bibliographical-qualitative character, having as theoretical
contribution Vygotsky, Paulo Freire
and Santaella. Palpable materials were elaborated
and, during the intervention, sensitization through media material and group
chats on the theme, dynamics and handwashing. The
whole process counted on the observation of the researchers to fulfill the
proposed objective. In the light of semiotics, visual literacy precedes
writing, since the range of experienced experiences by the subject in his
contact and social development is what initiates this process and culminates in
his everyday social practices. The results confirm that, for deaf students,
visual literacy is essential for the development of their meaningful learning.
Keywords: Deafness. Language. Literacy.
Recebido em: 05/01/2018
Reformulado em: 21/03/2018
Aprovado em: 01/08/2018
INTRODUÇÃO
A educação de surdos é uma temática
que tem sido discutida nas interfaces da
educação inclusiva e educação bilíngue, visto que as diretrizes da política
nacional de educação especial na perspectiva da educação inclusiva discorre que
[...] o atendimento educacional
especializado identifica, elabora e organiza recursos pedagógicos e de
acessibilidade que eliminem as barreiras para a plena participação dos alunos,
considerando as suas necessidades específicas. As atividades desenvolvidas no
atendimento educacional especializado diferenciam-se daquelas realizadas na
sala de aula comum. (BRASIL,
2008, p.16).
Quanto aos alunos surdos em escolas
comuns entende-se por barreira, como citado acima, a barreira linguística
enfrentada pelos mesmos e o não acesso a educação completa pelo fato de não
estarem em seus pares linguísticos e culturais, pois as aulas são ministradas
na língua majoritária e de prestígio da escola comum e não em sua língua alvo,
no caso a língua de sinais, onde certamente o processo de aprendizagem seria de
fato significativo.
Segundo a Convenção sobre o Direito das
Pessoas com Deficiência em seu artigo 24º 3c, cita que é garantia de que a
educação de pessoas, em particular crianças cegas, surdocegas
e surdas, seja ministrada nas línguas e nos modos e meios de comunicação mais
adequados ao indivíduo e em ambientes que favoreçam ao máximo seu desenvolvimento
acadêmico e social (BRASIL, 2012, p.50).
No período de 2001 a 2011, o Professor
da Universidade de São Paulo (USP), Fernando Capovilla
através da pesquisa intitulada Programa
de Avaliação Nacional do Desenvolvimento Escolar do Surdo Brasileiro (Pandesb), com apoio de Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (CNPq), Coordenação
de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e o Instituto Nacional de Estudos e
Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep),
considerado um dos maiores estudos surdos do mundo, descobriu que a política de
inclusão, embora benéfica ao deficiente auditivo, é nociva ao surdo, e que este
se desenvolve mais e melhor em escolas específicas para surdos no caldo de
cultura de Libras, e sob ensino e acompanhamento de professores proficientes em
Libras, como veículo principal de ensino-aprendizagem do Português e de outras
disciplinas (CAPOVILLA, 2009).
O processo de letramento em seu viés
social precede a escrita (FREIRE, 1997), haja vista que diversas são as
pesquisas que se embasam somente na prática discursiva da escrita, não
aprofundando no quão determinante é o contato com a sociedade, resultando no
seu desenvolvimento, pois a visão de mundo e a visão sobre si mesmo são
construídas e cultivadas em ambiente social.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), através dos temas transversais são de natureza
diferente das áreas convencionais. Sua complexidade faz com que nenhuma área,
isoladamente, seja suficiente para abordá-los. Ao contrário, a problemática dos
temas transversais atravessa os diferentes campos do conhecimento (BRASIL,
2001, p.36) com o eixo em saúde abordado a partir da higiene corporal, através
do projeto de letramento com a temática Lavagem
das Mãos, sendo este utilizado como tema gerador é o fator que desencadeará
a o tema da intervenção do estudo
da pesquisa.
O tema gerador é exposto através de
diálogos, visando o resgate histórico e as experiências vividas que será
determinante para a compreensão do letramento como prática social, pois não se
trata somente de experiências existenciais, mas as suas relações com o meio,
como um sujeito crítico e reflexivo, Freire (2016) elucida que tal investigação
se realiza por meio de uma metodologia conscientizadora, além de nos
possibilitar sua apreensão, insere ou começa a inserir os homens numa forma crítica
de pensarem o mundo.
O
letramento visual do sujeito surdo possui uma intrínseca ligação com a
semiótica e o enfoque no processo de interpretação e produção de significações,
haja vista que o mesmo possui a visualidade como seu principal canal para o
aprendizado, pois, segundo Ausubel, “a aprendizagem significativa é um processo
pelo qual uma nova informação se relaciona com um aspecto relevante da
estrutura de conhecimento do indivíduo.” (MOREIRA; MASINI, 2001 p.17).
A
SEMIÓTICA NO PROCESSO DE APRENDIZAGEM SIGNIFICATIVA
A produção de significação e sentido se
constitui a partir da linguagem, esse processo de interpretação e construção
ocorre mediante as diversas formas de comunicação social. O campo dos estudos
semióticos, segundo Santaella (2007), tem por objeto
de investigação todas as linguagens possíveis, ou seja, que tem por objetivo o
exame os modos de constituição de todo e qualquer fenômeno como fenômeno de
produção de significação e de sentido. Seu campo de indagação é tão vasto que
chega a cobrir a vida.
A semiótica é conceituada como estudo dos signos e suas
significações, sendo aplicada a áreas distintas resultará em diversos tipos de
semióticas, tratando-se do processo de como compreendemos e interpretamos as
produções de significações seja ele de cunho textual, imagético e até mesmo a
comunicação através da Língua de Sinais. Pierce (2005) constitui o seu objeto
de estudo a semiose e não o signo, ou seja, a semiose é a produção de significados, ou seja, o processo
de formação de significação onde a semiose é a “ação
de qualquer signo” e o signo é “qualquer coisa que age assim” (NÖTH, 1995, p.
66).
Signos possuem uma pluralidade de aplicações que podem ser
objetos, um fato, um interpretante ou representante, lembrando que a linguagem
é de natureza simbólica, seja ela verbal ou não verbal, pois para que a
comunicação de fato aconteça se faz necessário o conhecimento de um código por
ambas as partes inseridas no contexto comunicacional, pois a semiótica reflete
em vista desses códigos.
Crianças surdas, especificamente nesta pesquisa, alunos
surdos em processo de aquisição de Libras como primeira língua em uma escola
especializada para surdos, necessitam do contato social em seus pares
culturais, pois o ambiente linguístico e social se tornarão fatores
determinantes para o tipo de sistema semiótico, fato este que possui influência
quanto a construção da linguagem e do pensamento, a sua perspectiva de mundo.
Moreira e Masini (2001) discorrem
quanto a aprendizagem significativa de David Ausubel, que a formação de
conceitos em crianças é a aquisição espontânea de ideias genéricas por meio da
experiência empírico-concreta. A vivência de tais experiências em diversos
espaços sociais contribuirão para a possível ancoragem conceitual para novos aprendizados,
na qual derivam outros significados nomeado por
Ausubel como conceitos subsunçores,
incorporando de forma não arbitrária e não literal na estrutura cognitiva.
(MOREIRA; MASINI, 2001 p.19).
A aquisição de conceitos, uso e vivência dos mesmo, ocorre
mediante a um tipo de “efeito em cadeia”, uma rede de características
determinantes que possuem seu início na cognição, conceituada por Ausubel como
“o processo através do qual o mundo de significados tem origens, atribuindo-os
a realidade em que se encontra, pois a aprendizagem é a integração do material
na estrutura cognitiva.” (MOREIRA; MASINI, 2001 p.13)
Quanto ao percurso semiótico, neste caso, no aprendizado de
alunos surdos e tendo como fonte de inspiração a identificação de um conjunto
de métodos e procedimentos que visasse o desenvolvimento dos processos
psicológicos no sujeito, neste caso cita-se a formação da consciência através
de experiências de caráter social e cultural de Vygotsky
(1998), que possui como senso as características históricas e sociais dos
processos psicológicos superiores, cito os seres humanos por serem
psicointelectuais superiores na qual se constituem de suas relações sociais e
suas interações são alicerçadas através da mediação da linguagem.
A formação do indivíduo dar-se- á pela mediação
semiótica da linguagem. Em vista disso, o desempenho das atividades específicas
da linguagem, bem como suas ações, condutas em determinados espaços, serão de
acordo com os estímulos externos preponderantes, ou seja, os signos.
Em se tratando de
crianças surdas a interação deverá realizar-se por meio da língua de sinais. É
ela que vai possibilitar aos alunos surdos vivenciar práticas em que a escrita
esteja envolvida, como contar histórias, relatar eventos vivenciados, entre
outros, e vão construir, assim, seu conhecimento de escrita, em um processo
muito semelhante ao observado em crianças ouvintes. (PEREIRA, 2006, p. 62.)
Como já exposto, as interações do
sujeito surdo em sociedade através da língua de sinais é um fator determinante
para seu aprendizado, as vivências de experiências lhe proporcionam uma gama de
saberes, onde segundo Bernardino (2000, p. 29): [...] a língua é considerada
importante via de acesso para o desenvolvimento do surdo em todas as esferas do
conhecimento, propiciando não apenas a comunicação do surdo com o ouvinte, mas
também com o surdo, desempenhando também a função de suporte do pensamento e de
estimulador do desenvolvimento cognitivo e social [...].
O processo de simbolização é intrinsecamente ligado ao desenvolvimento
humano, pois trata-se de um processo de compreender e interpretar os signos e
assim poder utilizá-los para a construção ideias pois, ambos são
determinantes para Vygotsky (1998, p. 51) "a
criança não deduz, de forma súbita e irrevogável, a relação entre o signo e o
método de usá-lo".
LETRAMENTO COMO PRÁTICA SOCIAL E A SURDEZ
Os escritos de Paulo Freire (1989) nos
apontam para a utilização do conhecimento prévio como propulsor da leitura da palavra,
pois
A leitura do mundo precede sempre a leitura da palavra e a
leitura desta implica a continuidade da leitura daquele. Na proposta a que me
referi acima, este movimento do mundo à palavra e da palavra ao mundo está
sempre presente. Movimento em que a palavra dita flui do mundo mesmo através da
leitura que dele fazemos. De alguma maneira, porém, podemos ir mais longe e
dizer que a leitura da palavra não é apenas precedida pela leitura do mundo mas
por uma certa forma de "escrevê-lo" ou de "reescrevê-lo",
quer dizer, de transformá-lo através de nossa prática consciente. (FREIRE 1989,
p.13)
Dessa forma, a ‘leitura do mundo’ é
condição sine qua non para a leitura da palavra, num movimento cíclico
para que o conhecimento seja apreendido a fim de transformação do meio que se
vive. Prover o ambiente escolar com a leitura que os alunos já trazem de suas
experiências prévias resulta em momentos propícios à aprendizagem de novos
conceitos.
O conceito de letramento, enraizado e
naturalizado somente na prática da escrita, impulsionou esta pesquisa para outro
viés, para o enfoque inicial no sujeito como um ser social, pois a autora Soares
(2004, p. 47) define letramento como: “estado ou condição de quem não apenas
sabe ler e escrever, mas cultiva e exerce as práticas sociais que usam a
escrita”.
A prática social antecede a escrita,
pois a gama de experiências vivenciadas pelo sujeito a partir de seu contato e
desenvolvimento social faz parte e incita seu processo de letramento. Para Santaella (2012), o conceito de visual literacy (letramento, alfabetização ou alfabetismo visual), significaria
que, para lermos uma imagem, deveríamos desenvolver a capacidade de
desmembrá-la em partes, decodificá-la e mesmo interpretá-la, equivalente ao
processo de leitura em voz alta, decifração de código e tradução.
Para que esse processo ocorra é preciso
possibilitar tempo e espaço para que o sujeito possa facultar, codificar e
decodificar as mensagens, neste caso, visuais, fato este, que está inerente às
suas experiências perpassadas seja de forma coletiva ou individual, pois cada
sujeito participante terá sua interpretação de mundo para escolhas,
entendimentos que as leituras e a significação das imagens lhe proporcionaram
através do seu meio social e cultural.
Segundo Reily
(2003), a criança em contato inicial com a língua de sinais necessita de
linguagem visual com a qual possa interagir para construir significados. O
contato social possibilita uma relação de diálogos e desenvolvimentos que
somente em tal âmbito coletivo possa ter resultados tão satisfatórios.
Destarte, a entidade escolar nada mais
é do que um espaço social, da qual uma de suas responsabilidades é contribuir e
motivar as formas em que as organizações sociais se encontram. Trata-se um
espaço primordial para o letramento visual da criança surda como prática em seu
sentido coletivo e individual.
Já
dizia Freire (1997, p. 20) em sua carta aos professores: “De ler o mundo, de ler a palavra e assim
ler a leitura do mundo anteriormente feita. Mas ler não é puro entretenimento
nem tampouco um exercício de memorização mecânica de certos trechos do texto”.
Ponderar sobre a leitura e fundamentar a noção de letramento em vista da
própria linguagem, nos provoca cogitar que as crianças antes de serem
alfabetizadas são letradas, pois possuem leitura de mundo e através de mediação
é possível que haja o preparo de técnicas e procedimentos para desencadear a
leitura e suas práticas verbais.
O letramento como prática social
implica em participação ativa do indivíduo na sociedade, em uma perspectiva de
igualdade social, em que grupos minoritários, geralmente discriminados por
raça, sexo e condição social, também pudessem atuar diretamente pelo uso do
conhecimento científico (Roth & Lee, 2004).
A fim de entrelaçar a aprendizagem
significativa à leitura de mundo e letramento visual, recorremos à Tinoco
(2010, p.199), quando sugere a utilização de projetos de letramento, os quais
“[...] surgem de um interesse da vida real de estudantes e professores. Logo, o
ponto de partida de um projeto de letramento é a prática social.”
PROJETO DE LETRAMENTO ATRAVÉS DO TEMA
GERADOR LAVAGEM DAS MÃOS
Para adentrar na prática da
experimentação com as crianças, se fez necessário um momento de diálogo, o qual
propiciou esse resgate de experiências a partir do tema gerador, tendo o
professor como mediador.Segundo Freire (2016 p.121), o momento deste buscar é o
que inaugura o diálogo da educação como prática da liberdade. É o momento em
que se realiza investigação do que chamamos de universo temático do povo ou o
conjunto de seus temas geradores (...) e a tomada de consciência dos indivíduos
em torno dos mesmos.
A prática social permite ao indivíduo
surdo experiências, na qual através do tema gerador será feito um resgate para
que o diálogo seja estabelecido, pois o uso da linguagem visual através do
símbolo imagético utilizado com as crianças será para fins de um despertar
representativo de vivências do seu cotidiano. Em virtude disso, “a constatação
do tema gerador como uma concretização, é algo a que chegamos através não só da
própria experiência existencial, mas também de uma reflexão crítica sobre as
relações homem-mundo e homens-homens, implícitas nas primeiras”. (FREIRE 2016
p.122)
Tais relações sendo estabelecidas no
espaço escolar permitem ao aluno se enxergar como um ser crítico e autor da sua
própria história, para que reflita sobre suas relações sociais seja ela no
espaço escolar, familiar ou em comunidade, reflexões estas que permitirão com
que construções culturais e identitárias sejam formadas.
O que nos assegura no decorrer da
pesquisa são os Parâmetros Curriculares Nacionais- PCNs
com o eixo em Saúde, na qual é a única fonte que será abordada sobre a temática
lavagem das mãos, pois é disposto que apesar dessa longa tradição, apenas em
1971, a Lei no 5.692 “veio introduzir formalmente no currículo escolar a
temática da saúde, sob a designação genérica de Programas de Saúde, com o
objetivo de levar a criança e o adolescente ao desenvolvimento de hábitos
saudáveis quanto à higiene pessoal pois os aluno tem dificuldade em aplicá-las
às situações concretas de sua vida cotidiana (...)” (BRASIL, 1998 p. 258).
Ao iniciar sua vida escolar, a criança
traz consigo a valoração de comportamentos relativos à saúde oriundos da
família, de outros grupos de relação mais direta ou da mídia. Durante a
infância e a adolescência, épocas decisivas na construção de condutas, a escola
passa a assumir papel destacado por sua potencialidade para o desenvolvimento
de um trabalho sistematizado e contínuo. Precisa, por isso, assumir explicitamente
a responsabilidade pela educação para a saúde, já que a conformação de atitudes
estará fortemente associada a valores que o professor e toda a comunidade
escolar transmitirão inevitavelmente aos alunos durante o convívio cotidiano. (BRASIL, 1998)
Por conseguinte, a lavagem das mãos
como higiene corporal é uma prática que deve ser cultivada desde o início
da vida da criança, visando a sua proteção para evitar qualquer tipo de doença
viral ou bacteriana, pois, inúmeros microrganismos entram no corpo através das
mãos, visto que as mãos estão constante contato com as superfícies na qual não
se sabe o grau de contaminação e os malefícios que podem causar.
A higiene corporal é tratada como
condição para a vida saudável. A aquisição de hábitos de higiene corporal tem
início na infância, não sendo mais o enfoque principal no terceiro e quarto
ciclos, pois espera-se que a prática autônoma desses cuidados já tenha sido
incorporada ao cotidiano, na forma de rotinas, normas e atividades.
Eventualmente, a discussão de questões relativas à higiene corporal deve ser
retomada sempre que for sentida a necessidade. Busca-se, por meio do trabalho
pedagógico, mobilizar os alunos para estabelecer relações entre as decisões
pessoais de autocuidado e a qualidade do convívio social (BRASIL, 1998).
METODOLOGIA
Para analisar as questões levantadas, realizamos um estudo
de natureza qualitativa, no entender de Prodanov e
Freitas (2013), por permitir descrições de situações objetivando compreender os
indivíduos em suas subjetividades, valendo-se, quanto aos procedimentos, de
pesquisa bibliográfica e estudo de caso, utilizando-se da técnica de
observação, para a geração de dados e fontes bibliográficas pertinentes ao
tema.
A realização desta ocorreu em uma escola estadual especializada
para surdos localizada na cidade de Manaus, com total de 10 alunos
participantes, com idade entre 8 e 14 anos, matriculados nos I e II Ciclo do
Ensino Fundamental. Duas aulas, com
duração de 50 minutos, foram utilizadas para a aplicação do projeto de
letramento, através do tema gerador: “Lavagem das Mãos”.
Para exercer a pesquisa, aliando os
pressupostos da semiótica e de letramentos, primeiramente houve a elaboração do
material palpável com EVA, em formato de mão e, como material complementar, a
produção de bactérias e germes com o mesmo material, onde foram presas com velcro, pretendendo despertar o lúdico e o imaginário
das crianças.
Figura 1: Material palpável
elaborado para aplicação na escola.
Fonte: Autoras
Na aplicação da prática na escola
especializada, primeiramente dispomos de momentos como roda de conversa sobre o
brincar e suas práticas no cotidiano para que envolvessem os alunos em um
diálogo a respeito das experiências vividas pelos mesmos à luz do tema gerador
“Lavagem das mãos”.
A sensibilização ocorreu através de
material midiático “Lavar as
Mãos- Castelo Rá-Tim-Bum de Arnaldo Antunes[3]”,
o vídeo foi escolhido tendo em vista a característica idade como um
primordial grau de semelhança dos protagonistas e os escolares. Após a
exibição do vídeo, os alunos se mostraram interessados e envolvidos com a
temática abordada, pois relataram suas experiências de práticas orientadas
pelos pais para as crianças.
Figura 2:
Momento de sensibilização e diálogo através do material midiático
Fonte: Autoras
Logo
após esse momento, partimos para a dinâmica com o material produzido, na
qual foram distribuídos as bactérias e germes em EVA para que os alunos
pudessem interagir e grudar com velcro na mão
composta do mesmo material, entretanto, houve um fato curioso a ser ponderado:
alguns dos escolares que, ainda se encontravam em processo de aquisição da
língua de sinais, identificaram, através da representatividade do material palpável,
que suas próprias mãos poderiam ser alvo de bactérias e germes, assim fixaram
o que compreenderam serem esses organismos, em suas próprias mãos e não
no material a ser exposto pelas pesquisadoras.
Figura 3: Dinâmica com o
material
Fonte: Autoras
Notamos o aprendizado significativo
através do letramento visual que pode ser permitido aos alunos, pois a
aquisição de linguagem é de suma importância para o acarretamento de
experiências sociais. Para crianças surdas a visualidade é o seu meio de
aprendizado e o uso de representações imagéticas de seu cotidiano lhes propicia
resgates históricos, pois se sentem parte do meio.
Em vista do exposto, foi abordado um
diálogo sobre a composição do material e seu contraste com as experiências, assim,
foi lançado o convite para a lavagem das mãos no espaço da escola. Os alunos
receberam barrinhas de sabão e papel toalha e se
mostraram ansiosos e motivados para continuar participando da atividade.
Figura 4: Prática
de lavagem das mãos no espaço escolar.
Fonte:
Autoras.
Com o fim do processo, percebemos na
fisionomia dos alunos o transparecer de satisfação com o saber recém adquirido,
pois haviam aprendido de forma significativa, partindo da visualidade internalizaram
o conhecimento vivenciado. Outro fator
relevante que podemos mencionar é que, como parte de sua autoavaliação, alguns
alunos tiveram a iniciativa de cheirar suas mãos a fim de comprovar a
higienização, ato que foi compartilhado por todos, e para a confirmação da
fixação do conhecimento, pediram que as aplicadoras da atividade também as cheirassem.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
A partir das observações realizadas
enquanto se aplicavam as aulas e a pesquisa bibliográfica referente aos
pressupostos da semiótica e dos letramentos, podemos tecer algumas
considerações a respeito do letramento visual de alunos surdos, através das
produções de significados.
Conforme descrito acima, ao assistirem
o vídeo, os alunos tiveram duas reações de proximidade: primeiro, em relação às
personagens, por haver uma correspondência etária, e pelo fato de já terem tido
acesso ao vídeo em suas vivências, demonstrando que o conhecimento de mundo é
fundamental na contextualização dos processos de letramentos. Isso nos permite
dizer que, aplicando os conhecimentos de seu cotidiano às informações recebidas
na escola, os alunos são capazes de transformar o meio em que vivem, fazendo
uma (re)leitura de mundo, ou seja,
“[...] ‘a leitura’ que precede a leitura da palavra e que perseguindo
igualmente a compreensão do objetivo se faz no domínio da cotidianidade.”
(FREIRE, 2002, p 30).
Durante o período em que os alunos
puderam visualizar uma parte de seu corpo em forma ampliada, pudemos notar que
um aluno colocou sua própria mão em cima do material em EVA que também tinha o
formato de mão, internalizando, através do visual, que, assim como bactérias e
germes reproduzidos poderiam ser fixados na figura em EVA, as bactérias e
germes reais também poderiam se alojar em sua própria mão. Assim, houve a
internalização dos conceitos de forma visual, ou seja, a produção de
significação dos signos apresentado e associado a experiências passadas
vivenciadas pelos mesmos, confirmando o que afirma Pierce, comentado por Santaella (2000), que
um signo, sob certo aspecto, representa algo para alguém.
Houve, dentro de sala, interação entre
os alunos questionando-se sobre a limpeza de suas mãos uns dos outros, na
afirmação de que estavam sem impurezas nãos mãos, eram questionados pelo outros
sobre como tinham certeza de que não havia germes e bactérias que não
conseguiriam ver. No momento da lavagem das mãos, houve até mesmo uma disputa
sobre uma lavagem melhor executada, pois estariam sem a presença dos temidos
germes e bactérias. Podemos notar que houve uma aprendizagem significativa,
pois os alunos ampliaram seus conhecimentos a partir da vivência, da
experienciação.
A utilização do tema gerador, através
do projeto de letramento “Lavagem das Mãos” foi acompanhada por alguns
professores que também observaram o interesse e motivação dos alunos ao
participarem de um tempo de aprendizagem que pareceu agradável tanto para as
que conduziam como para os alunos. A constatação da aprendizagem pelos alunos
trouxe aos professores o despertar para práticas diferenciadas, para o uso das
experiências vivenciadas fora do ambiente escolar e com temáticas que fazem
parte da vida dos educandos, ou seja, práticas sociais de interesses comuns.
Projetos de letramentos aliados aos
Parâmetros Curriculares Nacionais podem ser ferramentas de auxílio para os
professores no processo ensino-aprendizagem, trazendo para a sala de aula, as
vivências, experiências, práticas que os alunos, às vezes, consideram que não
fazerem parte do saber. Cabe ao professor, portanto, promover ao aluno a
reflexão de que suas vivências também fazem parte do conhecimento e que a
visualidade, principalmente para o aluno surdo, contribui para a produção de
significados, modificando o meio em que estão inseridos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em vista do exposto, diversas são
formas que podem ser abordadas para o letramento do aluno surdo. Com este
estudo, objetivamos analisar como o uso da linguagem visual auxilia no processo
de letramento do estudante surdo. A semiótica como prática de letramento visual
foi um grande fator de desencadeamento do processo, pois se tornou facilitadora
em concomitância com o tema gerador.
A aplicação do projeto de letramento
foi concluída com resultados satisfatórios, pois com a temática lavagem das
mãos e o retorno positivo dos alunos com a pesquisa, motivou a direção da
escola que se mostrou propícia a implementar
projetos de letramentos como prática da escola com os escolares,
propiciando que os professores tenham uma busca contínua para alinhar o
conhecimento teórico às práticas sociais dos alunos.
Este estudo aponta, portanto, a
importância de experiências de projetos de letramentos na formação dos
professores que trabalham com os alunos surdos, pois ao utilizarem-se dos
pressupostos teóricos da semiótica, letramento visual e aprendizagem
significativa podem auxiliar seus alunos a expandirem seus conhecimentos e se
tornarem autônomos na sua aprendizagem.
O processo de letramento se dá ao longo
da vida do sujeito, nas diversas pesquisas somente a prática escrita é visada
como primordial, entretanto, percebemos que o letramento visual a partir do
tema gerador como prática social é o que pode influenciar positivamente o
desenvolvimento do processo de letramento do aluno surdo.
Esperamos que as considerações tecidas
nesta pesquisa possam contribuir para reflexões de profissionais que atuam na
educação de alunos surdos a fim de que inquietações sejam formadas e pesquisas
sejam realizadas para o aprimoramento educacional de estudantes surdos.
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[1] Graduanda do curso de
Letras-Libras da Faculdade de Letras (FLET) da Universidade Federal do Amazonas
(UFAM). E-mail: larissadantas.lima.pj@gmail.com
[2] Docente do curso de
Letras-Libras da Faculdade de Letras (FLET) da Universidade Federal do Amazonas
(UFAM). E-mail: elizandralima@gmail.com
[3] Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=LwhW7Uw7Fp8